Tuesday, December 21, 2010

Inteiro

Respirar
E o dia terminando
Voltar a ser um

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foto: praia do Jabaquara, em Paraty, por R.I.

Monday, December 13, 2010

Com estrita regularidade

Não são apenas os antibióticos que demandam uso em um intervalo regular e preciso de tempo para poder surtir um efeito sistêmico, contínuo. Quando se desembarca do movimento seguido dos dias quase sem relevo ou quando alguma dor física vem bater é que se percebe sua falta.

A voz de uma amizade ainda viva, um gesto de simpatia, generosidade estendida sem data. Cada célula parece precisar desses alimentos com uma constância para não cair em um estado de coma. Qualquer seca prolongada pode tornar ainda mais difícil sua recuperação.

Mais escassos cada vez vindos de lá para cá. Mais aprofundado então tem de ser o olhar que os procura daqui.

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foto: girafa trumpetista da decoração de Natal, canteiro central da avenida Paulista, em São Paulo, por R.I.

Sunday, December 05, 2010

O animal-símbolo e a cidade

O processo pode não ter sido muito universal e o próprio concurso em si pode ser questionado, como qualquer escolha dessa natureza. Mas a eleição do animal-símbolo de São Paulo deixa matéria para pensar e vagar.

Por que não o bem-te-vi, tão presente em tantos bairros, com seu canto inconfundível, companhia simpática e trilha sonora do amanhecer e fim de tarde? Ou a maritaca, com sua farfalhante algazarra, contraponto e concorrente sonoro, também espalhado pela cidade?

Talvez porque eles estejam perto mas apontem para uma vida bucólica improvável demais. Podemos ouvi-los como lembrete de um projeto distante, disperso. Quase misturados com os ruídos da metrópole. Ou talvez como apenas mais uma de suas variações.

O escolhido está quase extinto, quase invisível, precioso na sua raridade. A suçuarana traz a nobreza, a altivez e a agressividade dos felinos predadores. Lembra o espírito de conquista e a agilidade que talvez se deseje como espelho dos habitantes. Ou o reverso quase mítico de uma utopia selvagem.

O animal que a cidade expulsou foi o escolhido para representar o que ela quer se ver de melhor.

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foto: panorâmica sul a partir do topo do edifício do Sesc na avenida Paulista, por R.I.

Saturday, November 27, 2010

Sabores revividos

Assim, por acaso, reencontro o sabor da mexerica da infância aqui, tão longe, tão noite. Aquele gosto de início, anos inteiros por percorrer, finais de almoço, provas e lições de escola. Um pouco azedinha nos cantos, a cor intensa, gomos de recheio vigoroso no desmanche. Sabor então guardado (ou perdido) em algum dia comum, sem saber que por tanto tempo.

Talvez sejam dessa forma as retomadas: algum dia deslocado no espaço e na intenção, sem qualquer motivo ou cabimento, um fio de memória é puxado para fora de seu descanso e acorda as sensações que mantinha atadas.

Sabor de passado renascido. Mas diferente?

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foto: detalhe do centro histórico de Paraty, por R.I.

Thursday, November 18, 2010

As nuvens em cada onda

A tarde inteira passou nublada, ameaças de chuva de nova frente fria. Ela está quase deserta com tanta água em torno. Talvez apenas as aves continuem alerta, ligando terra, mar e céu. O resto parece parar. Até as nuvens, que só voltam a se mover dentro das ondas, evaporando com força em rugidos contra a areia.

Chove ao contrário na praia isolada pelas montanhas e floresta. Quem olhar em profundidade para qualquer ponto verá a chuva e o sol, concentrados e diluídos, pequenos, imensos. E verá a si mesmo, sua verdadeira face.

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foto: panorâmica da Praia do Sono, em Paraty, por R.I.

Monday, November 15, 2010

Pedagogia das pedras

Algumas cidades se infiltram na memória através do olhar; outras perduram no paladar. Mas Paraty fica para sempre a partir dos pés. O piso espartano do centro histórico deixa marcas fundas em quem por ali passou. Como se equilibrar nessa sequência irregular de curvaturas e arestas, lisos e rascantes, reentrâncias e gumes? É talvez a possibilidade mais viva de experimentar hoje como deve ter sido dura a vida na colônia. Andar deveria ser um exercício diário de atenção vigilante.

De onde podem ter vindo aquelas pedras todas? Não só dos pisos como das paredes. Quem sabe dos leitos e margens dos rios vizinhos. Pedras que estacam e se soltam, que forçam a olhar para baixo, a reduzir o passo, pensar outra vez antes de pisar.

Na instabilidade dessa base a singeleza calma da arquitetura das casas parece ganhar outro sentido. As ruas repelem com seu convite desafiado. São como um sacrifício de passagem. Mostram a dificuldade de se movimentar, o caráter travado do fluir social. Moldura áspera para um convívio fechado nos espaços privativos.

Olhar para esse chão é olhar para rios transformados, ainda presentes. Em cada pedra se encontram as histórias da natureza e da cidade, mais juntas do que se poderia imaginar, mais tensas do que suporia o viajante incauto.

Sentir essas pedras depois de todo esse tempo faz reviver os pés de tantos outros que devem ter tropeçado ou escorregado a caminho.

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foto: detalhe de rua do centro histórico de Paraty em um dia de chuva fina, por R.I.

Monday, November 08, 2010

Os sopros de vida

Contra o peso da idade, a leveza do olhar de primeira viagem. De iniciante na arte de olhar cada pedaço do universo com uma consciência desperta. Tudo começa a fazer sentido porque não é preciso mais explicar para se entender.

Algumas coisas estão sob controle, mas não interessam muito. Tantas mais estão à deriva, mas não é essa a substância da própria vida?
A vida, no final do caminho. E renascida nos respiros quando se removem as camadas ilusórias que vão se acumulando.

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foto: fragmento da serra da Mantiqueira, a partir da Pedra Preta, em Joanópolis, ao norte de São Paulo, por R.I.

Wednesday, November 03, 2010

Escrito em uma carta do passado

Não existe dor maior do que se sentir perdido em lugares tão conhecidos, como a avenida Paulista. Ou dispondo de pessoas razoavelmente próximas, ainda assim ausentes. Nenhuma canção confortaria, nenhuma lembrança. E tantos passos, quilômetros de asfalto.
Valerá tudo isso a pena?
Para quê, afinal?
Não haverá palavra que registre esse tormento ou lucidez excessiva. Nem Lúcio Cardoso talvez tenha conseguido traduzir a letargia inquieta em que nos movemos/estacamos.
Quem se perderá agora?
[ouve-se, ao longe, uma ária de Puccini]

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foto: subsolo do Arquivo Municipal de São Paulo, no bairro da Luz, centro de São Paulo, por R.I.

Tuesday, October 26, 2010

Entre tantos

A aridez do dia a dia transborda e se coagula em tantos filmes sobre o sem sentido, semana pós semana. Estão lá perdendo a cor, palavras planas de relevo. E não existe mais nenhum passado a que voltar. Só uma estreita faixa, mal sinalizada, por onde o desconsolado tropeça e o sopro se perde. Assim vai também quem o acompanha, cada vez mais sem resposta, sem retorno.

Olha para o chão quebrado, irregular da cidade. É apenas mais um. Talvez isso o reconforte um pouco.

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foto: jardim do Museu dos Transportes Públicos, no bairro do Canindé, em São Paulo, por R.I.

Monday, October 18, 2010

Contemplações

A época de florescimento e colheita de alcachofras é uma oportunidade boa para visitar os pequenos sítios produtores e contemplar. Contemplar a vida simples, o tempo mais lento, as pequenas e grandes sinalizações da natureza. Nessas flores a beleza visível e a inesperada vivem lado a lado, à espera do olhar de quem passa. De quem para.

Quantas vezes parar deixa espaço para o impensado aparecer. E uma pausa a não ser preenchida. Apenas ficar ali, enquanto o vento se deixa sentir, na garoa leve sobre cabeças imergindo na paisagem.

Na calma estática das alcachofras vibra uma resposta que não parece ao alcance. Que talvez não venha. Mas está ali.

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foto: detalhe de plantação de alcachofras em São Roque, São Paulo, por R.I.

Thursday, October 14, 2010

Pela passagem de uma grande alegria

[Em comemoração ao extraordinário feito de resgate dos mineiros no Chile]

O movimento da roldana engancha todo o olhar. Seu giro horário mostra que a cápsula continua a subir. Vai tudo bem. Lento demais para quem assiste ou carrega, mas rodando sem parar, é o que importa. Já são tantos que voltaram ao solo e, ainda assim, não dá para respirar aliviado até que o último dos socorristas retorne a salvo.

No trabalho incessante de tantos homens há muito mais que diligência ou solidariedade. Há um conduto de transcendência. Do humano enquanto vida, do todo que se reconhece e se encontra em cada um. É como se ao tocar o limite do suportável se reacendesse um sentido quase perdido de sublime. De verdade.

Nessas horas, por mais frágil e estreita que possa ser a passagem, parece renascer uma possibilidade.
Nessas horas é possível ver a travessia.
Sim.

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foto: detalhe de marcador de livro em cobre produzido no Chile, por R.I.

Wednesday, October 06, 2010

De todos os tempos sem onde

Cada vez que volto à cidade da infância para votar é como se reencontrasse alguém que não tivesse passado, ainda vive aqui. Não ficou naquele colégio nem se dissipou no tempo. Ele continua não como um fantasma, mas de um jeito que me faz lembrar da imortalidade das coisas sentidas.

A cidade da adolescência ondula sob as calçadas reformadas, mais gastas do que todas as tentativas de fazê-la passar. Faz par com o jovem partido em direção a qualquer ponto incerto, envelhecido no retorno a qualquer lugar conhecido.

Não é mais a cidade agora. Talvez estejam todos ainda aqui, enquanto caminho devagar para o fundo, para fora, para não sei onde.

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foto: vista do centro da cidade de Osasco, na região metropolitana de São Paulo, por R.I.

Sunday, September 26, 2010

Walking meditation

Ando como se já tivesse partido
Sem ossos ou face, só frio
Como se deixasse o mundo
Ainda com as dores de início
Ando como se afundasse
Em um lodo sem aviso
Em um corpo
Esquecido

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foto: detalhe da rua Florêncio de Abreu, no centro de São Paulo, por R.I.

Saturday, September 18, 2010

Ninguém, alguém

É muito cansativo andar por entre esses dois pólos: de ser ninguém ou ser alguém, fundir-se ao todo ou destacar-se dele. Ser um monge ou ser um star. Tantas vezes a vontade fica no apagamento, quando o descanso parece ser o caminho mais tranqüilo. Mas é um repouso com sofrimentos também, esquecimentos, indiferença. Um sentimento de ser deixado de lado. Assim, um impulso de sobrevida acende o farol de alguma realização bem sucedida, algum sucesso bem realizado. De novo vem a instabilidade do movimento. E os sobressaltos. Sem fim.

Como é difícil ser ninguém, como é sofrido ser alguém.

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foto: cena do espetáculo ‘Os reis preguiçosos’, da companhia francesa Transe Express, no Parque da Independência, Ipiranga, São Paulo, por R.I.

Thursday, September 09, 2010

Um ponto de contato com o iluminado

Ao contrário do que acontece normalmente, quando se costuma lê-lo na juventude, somente agora tenho esse encontro tardio com o ‘Siddharta’, de Herman Hesse. Tanta demora no contato traz suas compensações. Já não é mais uma abertura de portas, a descoberta de um mundo novo. O que agora acontece se aproxima mais de um reconhecimento, afinidade de caminhos percorridos.

Em uma de suas cenas finais, Govinda beija a testa de Siddharta e nele vê sucederem os mais diversos rostos, a vida, a Terra inteira. Nesse momento cessa a busca que tanto o propulsou. Ele finalmente consegue ter a experiência de uma iluminação que não se alcança pela pesquisa ou esforço, desejo ou sublimação. A unidade que ele então vivencia não pode ser explicada.

Quando li essa passagem foi como se me visse de novo com todos os vivos e vividos da noite de fim de ano de 2008, como escrito aqui no post de 01 de janeiro de 2009 (no texto ‘O que desponta e se dissolve’).

São talvez raras as vezes em que o absoluto se faz assim sentir, como poucos que o conseguem traduzir em palavras. Simples como agudas, a verdade na sua aparência mais clara de beleza.

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foto: flor de lótus a ponto de abrir ou se fechar, em uma rua do bairro da Liberdade, em São Paulo, por R.I.

Saturday, September 04, 2010

Ins, expirar

Lá estou, no espaço depois do horizonte, sem um pensamento de apoio ou motivo, em alguma espera modesta, adiante. Os dias se tornaram retratos e as palavras, desconhecidos.

Talvez ainda vibrem ventos, entre vindas esparsas, na hora em que a lua retornar a luz que os pássaros deixarão para trás.

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foto: oceano Atlântico a partir da praia de Pernambuco na cidade do Guarujá, litoral de São Paulo, por R.I.

Saturday, August 28, 2010

Depois de agora

[ao som de ‘Mean old world’, de e com Sam Cooke]

Por que eles têm tanta voracidade de ocupar o tempo e controlar suas maquininhas voláteis se não há saída depois da esquina, depois do impasse? Querem se ocultar atrás das tramas em que se prendem, dos papéis que vestem ou do sono a lhes confundir de olhos abertos?

Por que eles insistem em destruir o que não mais irá viver?

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foto: detalhe do Jardim Oriental, em tarde do festival Tanabata Matsuri, no bairro da Liberdade, região central de São Paulo, por R.I.

Wednesday, August 18, 2010

Segunda margem

‘É assim mesmo: depois que ousamos chegar à dor do outro, a vida se transforma num absoluto.’
- Ernesto Sabato


Não será talvez apenas mais um dia picotado em gestos automáticos. A preocupação com os problemas de seus desconhecidos o fará mergulhar nesse universo comum sem saber nadar. No percurso qualquer sinal de beleza pode deixá-lo respirar mais fundo. Mais que a perda dos sentidos, na consciência de um recomeço.

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foto: ninfeias do lago do Jardim Botânico, na região sul de São Paulo, por R.I.

Wednesday, August 11, 2010

Pouco

E existem todos esses tempos alongados de uma espera sem motivo, sem saber. Dias mais dias em que não se faz nada de progressivamente útil, produtivamente acumulável. As chances nem vêm nesse fundo de vale.

O passado às vezes o agita, tantas vidas ensaiadas, esboços incompletos. Assim os reencontra em páginas e rostos ao acaso. Em parte, mais em mais, em parte.

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foto: chuva se aproxima da Biblioteca de São Paulo, no Parque da Juventude, zona norte de São Paulo, por R.I.

Thursday, August 05, 2010

Entre uma vida e

Com quantos renascimentos se pode contar, quantas novas vidas para renascer em terras tão longe? Ou aqui mesmo, neste lugar que passa a se não reconhecer, estranho com uma cara por demais conhecida? Quanto fôlego é preciso abastecer para seguir, simplesmente seguir...

E quase não se acredita mais que ainda existe alguém, alguma coisa, algum caminho.

E então se respira, e respira.

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foto: jardim do Memorial do Imigrante, na Mooca, em São Paulo, na véspera de seu fechamento para longa reforma

Saturday, July 24, 2010

Sobre a terra

Não adianta o incessante movimento de carros, nem o vazar de horas. A fala intensa da mente vai se aquietar agora que os passos se tornam mais lentos. No vazio sob os pés se iluminam fachos de saída.

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foto: trecho da Radial Leste, a partir do viaduto da Glória, no bairro da Liberdade, em São Paulo, por R.I.

Wednesday, July 21, 2010

Mais denso que o ar

Primeiro foi o medo, esse fascínio da queda e do desconhecido. Por muito tempo restou apenas como força de arrasto. Passava em volta de todos os gestos e pensamentos, pendendo em sombras, os prazos perto do fim.

Depois foi a espera, qualquer coisa mais sem forma que os dias. Qualquer voz, o anúncio da chegada, mas logo então o desmentido, e mais uma vez.

Agora, o espaço de ar expandido. Nada mais sufoca. E a casa deixa de respirar.

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foto: deslizar elegante de uma raia no Aquário SP, no bairro do Ipiranga em São Paulo, por R.I.

Monday, July 19, 2010

Quem é o que escreve

Por que ele diz tanto sobre si mesmo? Parece só ver espelhos onde alcança. Talvez queira ser o heroi de seu canto, no desfile de palavras que puxa para a superfície. Que destino lidar com palavras. Matéria prima, matéria finda. Trazidas de volta à vida perdem voz na prisão do poeta.

Saturday, July 10, 2010

Dos silêncios afastados

Assim passaram dias e meses sem notícias. Como se tivesse partido, história finda. Meses, anos.
Não foi por palavras nem gestos. Apenas uma canção que ressuscita na pesquisa da memória. No acaso de encontros improváveis, vozes cada vez mais distantes.

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foto: detalhe de quiosque na praça Antonio Prado, no centro de São Paulo, por R.I.

Tuesday, June 29, 2010

Religados

Uma vez que são muitos os dias comuns, que tal seguir com eles como em uma história de suspense, expectativas de encontro e desfechos inesperados?

Uma vez que são raros os dias especiais, como fazer para diminuir sua velocidade, ampliar seu alcance e adensar seus passos na memória?

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foto: luminária no saguão do Mosteiro de São Bento, na região central de São Paulo, por R.I.

Sunday, June 20, 2010

Solstício de inverno

Este inverno pode ser o próximo. Como deixou se inventar muitas vezes outros anos. Mais que o seco sem ventos, cidade sem rostos para encontrar em palavra ou graça. Quais seriam as faces de uma estação partindo?

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foto: detalhe do núcleo Engordador do parque da Cantareira, na zona norte de São Paulo, por R.I.

Monday, June 14, 2010

Quando se desfaz

Vejo flores na terra devastada. É apenas uma questão de tempo. Elas continuam, como partes de um só corpo esquecido, ainda quando ninguém possa perceber. As cores estão lá, mais vivas quanto menos evidentes, silenciosas na sua potencialidade.

Pássaro raro, enquanto quase não.

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foto: ikebana em exposição no Bunkyo, no bairro da Liberdade, região central de São Paulo, por R.I.

Sunday, June 06, 2010

Mais lento que passa

No semi-sono o tempo passa
como no subterrâneo
Mais lento que sobra
São horas quando minutos
Não andam,
ao invés dos metrôs
Ainda bem que perduram
Ainda mais nesse escuro
Não sem outro
embora

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foto: relógio da estação Júlio Prestes, na região central de São Paulo, por R.I.

Thursday, June 03, 2010

Raios mais próximos

Ficou distante por algum motivo. Na pressa imediata qualquer parada parece trazer atraso. Em meio à turbulência seu raio de caminhada fica mais e mais restrito. Longe, sem sair muito dos percursos alcançáveis em pouco tempo.

Qual é a hora de descansar em meio ao andar dos impensáveis?

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foto: detalhe do parque Villa-Lobos, no Alto de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, por R.I.

Thursday, May 20, 2010

Oito

Deixando para trás a multidão e o burburinho à espera da apresentação da orquestra municipal e do Coral Lírico, um momento de parada e respiro prolongado. Entrar na Pinacoteca de noite só nessa época. E só assim, com o escuro natural, para apreciar em plenitude essa obra. De delicadeza e força, no pulsar das luzes e canto de pássaros.

O desenho me lembrou do nobre caminho óctuplo, as orientações budistas para um viver desperto. Lá estava um motivo de contemplação, multiplicidade de vazios, transparentes, perpassados de tudo o mais que não matéria. Os professores de música de ‘...E la nave va’, de Fellini, extraindo fina melodia das taças no navio a ponto de naufragar. Meus próprios ensaios de canto, quantas mesas à espera de quem sabe-se lá quando. E as luzes encantam, ensonam, entornam.

Lá fora, a grande festa da cidade continua. Ela está aqui, apagando e acendendo, lentamente. Viva, no espaço entre duas inspirações.

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foto: instalação de Vera Barcellos, com taças e luzes, especialmente criada para o octógono da Pinacoteca do Estado, em noite de Virada Cultural, na região central de São Paulo, por R.I.

Sunday, May 16, 2010

Aqui, São Paulo

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fotos: cenas da noite e dia da Virada Cultural 2010, em São Paulo, por R.I.

Wednesday, May 12, 2010

Subterrâneo sem fim

Alice quer mais voltar para casa do que ficar no mundo subterrâneo. Pensa como Dorothy, de ‘O mágico de Oz’. Afinal, todo esse cotidiano de aventuras não parece ter a densidade da superfície. Talvez venha a sentir falta daquele gato de um peso vaporoso. Ou das mudanças tão imediatas de volume que a deixam andar por todos os cantos, ainda que sempre fora de escala.

Não se ajustar nunca de fato parece ser a melhor saída. Mas o retorno também parece nunca ser concluído.

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foto: detalhe do parque da Água Branca, na zona oeste de São Paulo, por R.I.

Tuesday, May 04, 2010

Os dias passam fantasmas

[ao som de ‘Teardrop’, do Massive Attack]

Ele andou pela cidade lento e sem direção, mas com alguns trechos de música de um passado recente. Olhava para baixo na medida do peso de cada passo. Das mãos desabavam lágrimas condensadas.

Qual seria o endereço do ano em que abandonou o caminho da boa esperança? O exato instante do desvio das avenidas principais, do chutar de baldes? Teria sido em um entardecer como esse, contra ventos frios suaves ou em alguma noite desperta, quando afinal?

Não parece haver sinais. É como se ele nem passasse mais por essas ruas. Como se flutuasse em outra dimensão, perdido para a cidade. Ou mais real do que nunca.

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foto: trecho final da avenida Paulista, na região central de São Paulo, por R.I.

Saturday, May 01, 2010

Áudio retrato

Começo a criar uma play list com as canções da minha vida. Não uma simples relação de músicas que marcaram a biografia, tingiram com dor ou alento os dias, mas também aquelas que, mesmo sem ter significado tanto na época, traduzem como ninguém a personalidade, o espírito, o jeito de ser.

É um exercício de contemplação profunda. Uma volta ao que se foi, se perde ou estagna, e renasce tantas vezes. Em cada canção um álbum de fotos parece se desdobrar.

A lista vai se alongando. Como se quisesse sobrevida, mais chances, uma nova existência. Será sempre assim qualquer tentativa de se entregar?

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foto: detalhe do saguão da estação Luz, no centro de São Paulo, por R.I.

Saturday, April 24, 2010

A companhia

Ventos particulares. Agitam intensa interiormente em dias parados. Tantas vezes chegam para mostrar a face curta da estabilidade. As pontes balançam, o abismo escorrega. Afundo os passos para abraçar a terra. Os fantasmas todos parecem voltar, íntimos de tão pouco esquecidos. Querem se instalar de novo, agouros do que desanda, danosos.

Mas agora não estarão mais sós para exercer seu domínio. Ao respirar profundo e consciente, vem a atenção plena iluminar as aflições, acompanhar compreensivamente seus tombos, transformar sua energia.

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foto: detalhe do mirante na rua Cerro Corá, no Alto da Lapa, região oeste de São Paulo, por R.I.

Thursday, April 15, 2010

O que voltou

Olhou para o alto em um movimento quase brusco. Os versos da canção emergiam de um sono de mais de vinte anos. Não era para entender, buscar razões. Simplesmente havia música. Quis lembrar do restante, mas apenas conseguia repetir o começo. Como se estancasse ali a passagem, toda possibilidade.

Ouviu o que sentia. Em frações que duravam prazos sem respiro. Cantou, baixo, para não atrair censores. E então olhou de novo para onde estava. A cidade estremecia.

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foto: céu do Pacaembu, na região centro-oeste da cidade de São Paulo, por R.I.

Sunday, April 11, 2010

Salvo um animal a cada dia

E o vejo passar.

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foto: colinas de Piracaia, ao norte de São Paulo, antes da chuva, a partir da varanda da Casa do Artesão, por R.I.

Tuesday, April 06, 2010

Momentos decisivos

Existe uma hora exata. Se deixado para depois simplesmente não acontece. Vai figurar apenas como mais um item na agenda, mais uma das coisas que nunca viverá. Talvez seja assim também com as palavras. Parecem deslizar em uma plataforma de lançamento, prontas para saírem ou caírem esquecidas.

Como saber quando as sementes amadureceram, precisar o instante em que os gestos devem partir? Muitas portas sequer são reconhecidas. E é ao estranho que anunciam.

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foto: interior da Basílica de Nossa Senhora do Carmo, na Bela Vista, em São Paulo, por R.I.

Friday, April 02, 2010

Lunar

Mais além das nuvens
Entre os ventos e as chuvas
A lua goteja

*

Caminha encoberta
Sobre ruas e sementes
Deita luz e acorda

*

Tuesday, March 30, 2010

Impermanência permanente

“Seu rosto brilha em reza
Brilha em faca e flor”
- Fernando Brant


Não é um deslizar sem dor. Gumes e pontas se acotovelam em um rascar contínuo. Faz dia. Muitos dias. Talvez nada mais passe em seu caminho. O desenho da trilha vai se perdendo. Mas também a sede.

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foto: cachoeira entre as montanhas da serra da Mantiqueira, na cidade de Joanópolis, ao norte de São Paulo, por R.I.

Saturday, March 20, 2010

O que vai

[ao som de ‘We’ve only just begun’, de Paul Williams, com os Carpenters]

Para todo lado que olha se estendem radiais. Cada vez mais longas, fogem para mais longe. No início de alguma rua, pessoas e pessoas seguem seus destinos. Alongam-se nas passadas, fogem para mais.

Elas se afastam, enquanto a terra desgastam.

Do chão não suporta o peso que o leva para onde apenas resta a corda soltar.

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foto: escada-rolante de acesso à plataforma da estação de metrô Consolação, no subterrâneo da avenida Paulista, por R.I.

Saturday, March 13, 2010

O extraordinário

Do nada o que era rotina respira ventos de estrangeiro. Os menores movimentos condensam olhares. Não é outro o lugar, não mudou a pessoa. E, entanto, parece deslizar com outro significado o mesmo passo. Sem qualquer conceito ou julgamento, intraduzível em palavras, apenas presente. Pode imaginá-lo sonho – desperto, inconsciente. A cada instante uma outra coisa.

Nessa tocada seguem os dias. Um palmo acima do solo, parte sono parte margem.

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foto: interior do Mercado Municipal de São Paulo, no centro da cidade, por R.I.

Monday, March 08, 2010

Círculos lineares

Algumas coisas são cíclicas e outras, de uma linearidade sem clemência. As feiras se repetem toda semana, mas o envelhecimento segue irremediável. Parece que se subtrai de cada gesto um pouco da energia cada vez. E tantos outros ultrapassam seu caminho em velocidade ampliada. Moinhos cadentes.

Quase não usa mais seu relógio, enquanto a bateria continua a se gastar. Não lhe perguntam mais as horas; elas também se afastam. Deve ser isso perder o centro: sentir as linhas de contato partirem ainda que não reconheça o abandono.

Faz noite a qualquer hora. Ônibus e trens atrasam. Quando chegam, lotados, riscam o chão de um jeito que não se pode mais saber se voltam ou recolhem. Não faz diferença.

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foto: torre da estação da Luz, na região central de São Paulo, por R.I.

Wednesday, March 03, 2010

Sem lugar

Muitas vezes não se sabe por que caminhos andou, nem que outras chances haveria de encontrar de novo o que hoje se distancia. Parecem lugares de sonhos mal dormidos ou, quem sabe, mal acordados. Não trazem marcas de localização, não fornecem pistas. Flutuam como fantasmas. Como faces sem nome. E assim continuam a impor seu estranhamento aos dias, estando sempre a partir.

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foto: vista da catedral de Santos, no estado de São Paulo, por R.I.

Thursday, February 25, 2010

Antes da névoa final

Parece como estar em um mirante, voltando-se para cada outro lado, sem saber onde fixar o olhar. Mas não para alguma beleza distante. De qualquer ponto pode sobrevir o risco, a carga do que se tem que suportar. Por quanto tempo mais? Quando chegará a hora de deixar de esperar?

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foto: vista a partir do Pico do Penedinho, em Penedo, estado do Rio de Janeiro, por R.I.

Saturday, February 20, 2010

A pedra-carta, entre a vida e a morte

Em um dos motivos mais bonitos do filme ‘A Partida’ (direção de Y. Takita), é uma pedra o veículo de comunicação e significado, transmitida de filho para pai para filho. Depois de muitos anos ela diz do que havia ficado de sentimento, rompido pelos gestos errados ou sinais mal interpretados. Nas mãos dos dois, separados pelo tempo e vida, o pequeno seixo rolado mostra a eloquência do sentido emudecido. E é o vínculo mais imediato com a natureza sempre marcante, que emoldura e pontua a evolução da história.

Nenhuma palavra. Só o tempo. O que se perdera enfim retorna à consciência.

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foto: detalhe do parque do centenário da imigração japonesa no Brasil, na cidade de Mogi das Cruzes, estado de São Paulo, por R.I.

Tuesday, February 16, 2010

Tempos difíceis


Dias de dissolução.

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foto: Casa das Caldeiras, no bairro da Água Branca, zona oeste de São Paulo, por R.I.