Monday, December 25, 2006

Um dia a mais

‘Live as if you were to die tomorrow
Learn as if you were to live forever’
- Mahatma Gandhi
[‘Viva como se fosse morrer amanhã
Aprenda como se fosse viver para sempre’]

Enquanto ventos fortes batem de chegada a estes lugares, o pensamento se retira para algum ponto obscuro entre a terra e a alta atmosfera. Que estranho estar aqui de novo, meio a tanta gente diferente, com valores diversos e destinos também. Diante de conflitos sem fim, resta se desgastar ou construir conhecimento. Talvez esse cansaço seja uma mescla dos dois.

Ângulos agudos, espinhos.

‘And every time I’ve held a rose
It seems I only felt the thorns’
- Billy Joel
[‘E cada vez que segurei uma rosa
Parece que sentia apenas os espinhos’]

Quando eles ferem incisivamente são o dia que não nascerá de novo. Mas quando funcionam como alerta ajudam a despertar. Um convite ao aprendizado, para quem carrega uma curiosidade imorredoura.

Thursday, December 21, 2006

atormentada cidade que o acolhe

Olhou para o chão com cuidado nesses dias em que chove bastante. Ainda que não possa evitar água por todos os lados, as poças tendem a ser mais desastrosas. Nelas não havia Narciso nem visões de inferno. Apenas a cidade retalhada e refratada. E nuvens mais sombrias.

A cidade pode ser bonita sob uma tempestade. Nessa fronteira entre o fim do centro e o início da subida da Brigadeiro Luís Antonio. Ali onde os corredores preparam seu último fôlego para a subida final rumo à Paulista na São Silvestre de todos os anos. As nuvens líquidas, espiraladas, tangem o asfalto, escorrendo em lavas contra os cidadãos mal protegidos. Bela a cidade sob essa névoa inconstante. Em momento de parada involuntária. Tão perto de datas grandiosas e corridas perdidas.

Olhou para o céu com admiração. Foram dias de turbulência mal pressentida. E agora, parado (pela chuva), contempla o que resta da cidade que deixará em breve. Ela quase perde cor e densidade, mas quando assim o percebe ouve sirenes e estridos inclementes. Ainda há vida, qualquer.

A cidade o emociona de uma forma impiedosa. Por um desses caminhos sem volta, sem indicações ou atalhos seguros. Guarda todo o seu pesar em cantos pouco visitados. Envelhecidos sem biografia, reclamam sua voz nessas horas de imobilidade.

Quando a chuva acabar, tudo isso perderá sentido?

Sunday, December 17, 2006

Todo preparo e cinzas

Não é preciso um vaticínio de morte para mudar tudo. Basta um sentimento de finitude próxima. De que algo não vai bem com o corpo ou com o espírito. E as formas todas ganham outros sentidos. Cada gesto, peso alterado. A cidade, antes abrigo, começa a discutir com as lembranças.

É assim que passo esses dias. Na sala de espera de qualquer surpresa temida, sem pensar (porque seria mais dolorido). Sem provisões de água e alimento, agora que tais bens não sustentariam uma travessia. E sem repouso, porque pareceria um termo decisivo.

Não recitaria um mantra nem uma prece, ainda que Mahatma Gandhi assim o recomendasse. O silêncio é um único conforto. Reintegra o que se dilacerou ao longo do caminho.

[Talvez uma vela possa ajudar]

Monday, December 11, 2006

Instantâneos em uma noite insolúvel

Rodo por São Paulo à noite, nessa época de luzes natalinas. A imensa árvore artificial, com suas lâmpadas piscantes, funciona como farol (maior, mais atraente) no parque do Ibirapuera, junto a uma das vias expressas que cortam a cidade. Com uma inesperada queda da temperatura, a cidade volta a ostentar uma das suas marcas registradas do passado (a garoa). Muitos turistas procuram se localizar, lutando com mapas e a dificuldade do idioma. E atarefados conjuntos familiares passeiam, compram, tiram fotos.

O ritmo é o mesmo dos dias de semana (produtivo, contingente). Só muda, talvez, o motivo condutor. Afinal, esse é o período de recuperar ou tatear algum encanto – de uma lembrança ou um conto de fadas ou uma propaganda. Tempo de enfeitar as superfícies, revestir as intenções.

É um cenário de musical, de vésperas recheadas de ensaios, produtos acabados em si mesmos. Em sorrisos que se produzem de uma forma contínua e natural, como essa neve. Em procissões de carros, mais lentos (mas com as mesmas reclamações de sempre), ao som de ‘Adeste fideles’.

Uma garoa inesperada.
Bela, porque improdutiva, incontingente.
E inteiramente sensível ao toque.

Tuesday, December 05, 2006

algia

Compreendo toda dor. Daqueles plantados nessas camas de ambulatório aos privados de liberdade nas celas dos zoológicos. Essa dor física, nevrálgica, muscular, crônica, recorrente. Sinal de presença de um desejo de finitude ou de cura. Que altera prioridades do dia, desequilibra a percepção das coisas, empalidece.

Compreendo essa imensa dor. Atualizada em um passo irregular, na medida dos enganos e na aflição dos desesperançados. Larga como uma perda. Insolúvel, sólida. Inclemente, etérea. Essa imensa dor que sentes, me transmites, derrota.

Compreendo porque ela me acolhe quando não a procuro. Sem trilhas definidas, mas decidida, caminhante. Envolvente como a falta de ar em que a tento sufocar. Agora que ela se quer íntima. Compreendo sem qualquer explicação, em uma espécie de atalho para a queda. Um caminho.