Monday, August 28, 2006

Respostas novas



No festival de curta-metragens atualmente em cartaz na cidade há um filme de animação de Gitanjali Rao chamado ‘Printed Rainbow’. Nele se representa o cotidiano de uma senhora e seu gato, moradores de alguma grande cidade na Índia. Desde o nascer do dia até o fechar de janelas nada de muito especial acontece. As cenas surgem em tonalidades de cinza a não ser pelas caixas de fósforo multicoloridas que ela guarda em coleção. E que funcionam como motores da fantasia ou sonho. Não parece triste nem resignado. Há uma tranqüilidade cíclica em suas expressões. Os gestos parecem movidos com graça e leveza. Como se os dois planos – com/sem cores, presente/imaginado – fossem extensões naturais e complementares. Que o gato, com sua percepção aguda ao mesmo tempo lúdica, recolhe e mimetiza.

Ontem, esperando ônibus, vejo um cachorro em passeio, puxando uma senhora. Era daqueles alongados, com largas e longas orelhas quase ao nível do chão. Ele passa por mim, depois pára, volta a cabeça e me olha. Olha longamente, olha. Volta-se para a frente e segue.

Thursday, August 24, 2006

IZ









[In memoriam: Israel Kamakawiwo’ole]

‘A terra é como um pequeno barco em meio a perigosa tempestade; por isso temos que ser, nós mesmos, o melhor que pudermos ser. Lembrem-se: uma pessoa é muito importante; uma pessoa é muito.’
Thich Nhat Hanh


O que mais arrepia ouvir em sua voz é essa promessa de uma terra pacificada. Flana como rastilho de incenso, perfume de hibisco ao redor de quem medita em harmonia. E dedilha fácil, aprendo agora, o ukelele. Quase como canção de ninar, parece que brinca com as coisas simples e belas. Em sua face o rosto do pai, da areia branca daquela praia do Hawai’i, dos pássaros e árvores. Um reflexo longínquo em que posso me reconhecer.

Não é um anúncio de utopia nem desejo. Respira através do seu canto uma verdade, uma compaixão com os outros, mesmo crescidos diferentes quase hostis. Como se fizesse de sua voz um braço estendido. Uma doçura que aproxima e alerta.

Ele canta a manhã interior compartilhada.

Parece nascer junto com ‘Over the rainbow’, que desliza suave pelo espaço e tempo que nos separam.

[Agradeço ao Nelson, que me enviou o disco ‘Facing Future’, de Israel Kamakawiwo’ole, direto de Singapore]

Monday, August 21, 2006

Em alguma fronteira, quando a tempestade passar


Logo termina.
Talvez essa impressão faça mais por sua vida que qualquer medicamento ou fé. E deixe pesar menos os vinte um gramas que Iñarritu defende pesar a alma.
Será só então, livre da fantasmagoria animada, uma verdadeira face.

Thursday, August 17, 2006

Estradas


É assim, sem saber a origem – lugar e motivo – que espero. Não importam os sinais contraditórios ou a demora. Deve resultar, de alguma forma. Mas cada vez que olho, o painel toma forma diferente. Por vezes tem uma aparência festiva nas suas cores alegres; outras, escurece como dúvida. Quase um ciclo inteiro de dia-noite.

A manhã já cresce fortemente e muito já se passou. Quanta gente passa... Ninguém permanece.

Em cada canto um deserto em movimento. Assim, sem premissa ou destino. Sem mais espera. E sem conclusão

[ouve-se ‘Roads’, de Portishead, ao fundo]

Saturday, August 12, 2006

Colheita e diálogo


'A perfeição da pedra não vem com os golpes do machado, mas com a dança e a canção da água’ - Rabindranath Tagore
::
Se houvesse água na trilha, doce e movente; o caminho não se apagasse a cada noite. Fosse uma sem mesmo fonte.

A suavidade parece mais difícil que a violência porque não se alimenta de nenhuma paixão.

Tuesday, August 08, 2006

aqui















... e é como um sossego sem parada, paisagem sem parada logo ali onde ninguém quer parar. Nem os ventos conseguem perturbar o vulto eterno assombrado em frente. Como noite prolongada, nada parece nascer

... mas uma luminosidade tardia captura o olhar de quem o contempla sem saber. Pára sem sossegar. Não o segue sem desviar

... quando nada mais parece passar. Ainda mais o encalhe de suas dúvidas, fixas na altura de onde perdeu o sentido do seu passo

... agora que encontra beleza. Uma beleza sem espera

......................................................................... e sem sossego

Friday, August 04, 2006

Lon-Sao sugere















Uma leitura leve para dias de recolhimento:
‘Dicionário do Viajante Insólito’, de Moacyr Scliar
:: para comparar suas impressões sobre as viagens e as aventuras de descobrimento, com bom humor e tempero saboroso, olhando os aviões cruzarem o céu através da janela do seu quarto

Uma peça vigorosa e delicada sobre um tema eterno:
‘R & J’, de Joe Calarco, na montagem do Núcleo Experimental do Teatro Augusta
:: e encontrar jovens e talentosos atores em um texto que alinhava dicção clássica, que ao mesmo tempo alude, complementa e renova o original de Shakespeare

Uma audição densa para dias de solidão e destemor:
‘preyed upon’, de e com Tanita Tikaram
:: para estender a atenção sobre si mesmo, ouvir as vozes interiores e cantar junto, porque a beleza resta tensa e inquieta sobre os dias que ainda virão