Monday, July 31, 2006

Nada além

‘O ser produz o útil
Mas é o não-ser que o torna eficaz’
(Lao Tzu)


Tantas vezes se procurou e a resposta não apareceu. Quanto esforço gasto para pouco resultado. Dias e dias trabalhados na expectativa de recompensas liberadoras. Mas nada. Até a convicção se rompe, como represas mal construídas.

É quando se esquece ou se abandona que aquela sensação de verdadeiro relaxamento se espalha pelo corpo. Uma sensação de vazio, dispensa de cargas. Alguma coisa parecida com paz. Não é preciso discurso para descrevê-lo, nem conceitos para refletir sobre ele. Ou outra, justamente por escapar da rede de pensamentos é que se faz possível esse instante. Quase como aquele estado transitório entre vigília e sono. De contemplação de si mesmo (meditação), unidade com a natureza.

Esse vazio, que sempre está aí, enfim pode ser recuperado. Ele é a própria sabedoria.

Wednesday, July 26, 2006

assim::como














natureza.....................cultura
eternidade...................história
ciclo...........................passagem
nascimento.................migração

Saturday, July 22, 2006

Teoremas urbanos (a partir do cinema)



1. Personagens-símbolo das grandes cidades são anti-urbanas por excelência. O motorista de táxi de Martin Scorsese ou o caçador de andróides de Ridley Scott lamentam, a seu modo, seus destinos. São liminares antes que marginais. Vivem a solidão daqueles que não pertencem inteiramente nem a um nem a outro grupo social. Erram pelos circuitos da cidade. Carregam a revolução em suas armas: devem destruir os que criam sentido pela violência e os que violam o sentido da criação. Não há lastro comum de convivência. A cidade é o mal, condensa o mal. O reforço da cápsula-redoma-carro ou o atiramento para o norte são as vias de negação.

2. O rapaz dá um colar de pérolas furtadas à moça, no final doa ‘Anjos da Noite’, de Wilson Barros. Ela pergunta se são verdadeiras. A resposta modula toda a fabulação: ‘que importa; são belas’. A cidade à noite vive a ambigüidade: o verdadeiro e o falso, o real e o imaginário, o espontâneo e o representado. Mas importa que ela é bela. Na desordem de múltiplas biografias, expedientes, razões, a cidade expande os limites da percepção.

3. Novamente é Scorsese quem investiga a orientação na metrópole noturna. Em ‘Depois de horas’ é a falta de dinheiro e de um conteúdo de sentido comum que provoca a danação do até então sem-grandes-aventuras protagonista. A sobrevivência na cidade de tantos diferentes depende do que não precisa de linguagem de apoio: o equivalente geral, a intuição, o desinteresse.

4. A dor vem do desejo, segundo um verso budista. Os anjos deveriam saber disso ao quererem se transformar em humanos em Berlim. Entrar na temporalidade – na finitude – é, paradoxalmente, entrar num tempo fixo no presente: o cotidiano. Os mínimos gestos, às vezes grandiloqüentes, parecem não afetar a paisagem construída. Mas a dor parece se inscrever em cada traço. A melancolia da urbanidade é uma história mal resolvida.

Tuesday, July 18, 2006

Despertador-ponte

Não existe antes . Não existe depois

Deve ser assim, como um ponto entre dois mundos. Alguma coisa pouco sensível, perdida flutuante nessa vaga impressão de outra irrealidade. Só mesmo a campainha do telefone para me lembrar que ainda estou na Terra. Para despertar e reconectar ao fora. A partir de fora.

Não foi por acaso que os irmãos Wachowski escolheram o telefone como o meio de comunicação entre os dois universos (vivido e criado) em Matrix (o filme). Esse estranho aparelho deve conter mais que ondas eletromagnéticas e decodificadores de sinais. Qualquer artifício como fios invisíveis estendidos como cordas ao alcance das pontas do interno e externo. Mas em Matrix parece não haver mais foras.

Algum ponto perdido assim entre dois.

Será possível ainda ouvir campainhas como sirenes, acordar de retorno a um mesmo exterior, caminhar por essa lâmina?

Friday, July 14, 2006

Uma segunda chance



Dois ramos de comércio prosperam nestes tempos tão difíceis: salões de cabeleireiro e sebos de livros. Se o primeiro é compreensível, como explicar o último? Será que existem mais pessoas lendo ou a procura se deve aos altos preços dos livros zero quilômetro? Talvez a internet tenha revivido o interesse pela leitura. Ou esses lugares ressumam valores antigos, que a saudade vai buscar.

[Talvez Anaelena saiba dizer]

Algumas ruas em São Paulo ensaiam ser a Charing Cross Rd, ainda que sem casas especializadas, sem organização ou sem grande charme. Mas deve haver procura porque, afinal, elas se multiplicam. Imagino mais vendedores dispensando sua carga preciosa, com pena da destruição, do que compradores curiosos. Mais negócios imperdíveis que achados inacreditáveis.

Nem antiquários nem brechós. Os sebos parecem atender a um gosto de primeira leitura sobre matéria gasta. Uma descoberta em segunda mão. Uma repescagem daquilo que ao mesmo tempo se descartou e não se perdeu.

Nunca comprei livros nessas condições. Nem mesmo discos ou revistas. Mas andar por essas ruas e essas lojas recria um sentimento de tempo represado, escoras diante do escorrer acelerado da maquinaria. As luzes fluorescentes, esquálidas, talvez não o mostrem a um primeiro relance.

Talvez seja isso que elas permitam: ao menos parar.

Wednesday, July 05, 2006

Por uma passagem sem volta


Descendo pela escada rolante para a plataforma de embarque, olho para o teto movediço e perto, placas de escuro corrente, chão para lembranças de misturados tempos, na escala descendente do degrau, que passa. No subsolo de um metrô sem clara localização, estou meio perdido agora quando //// são cortes rápidos em quadros que não se fecham nesse movimento certo, em que mais me afundo.

Fico parado na escada insistente nessa hora morta, na plataforma de memórias. Ao som de atritos rugentes, são os degraus que enfim terminam. O piso firme controla o passo quase cadente, quando é hora de novo se acertar.

Chega o trem. Não servem embarques.
Passa o trem.
////