Thursday, December 25, 2008

Um dia


Por muito tempo acreditou que algo mágico acontecesse naquelas datas. Algum presente esperado ou não, com poderes para transformar o curso dos dias iguais, trazer um sentido novo ou força para seguir.

Por muito tempo acreditou que algo extraordinário viria se conseguisse entrar em meditação. Algum saber, talvez apenas sentimento, diferente, misterioso, que abriria a mente e traria novos sentidos para a vida.

Passaram-se estações de aridez e ceticismo, em que qualquer possibilidade de mudança era recebida com indiferença. Mas foi assim, na distensão do desejo e da espera, que ele percebeu os dias amanhecendo com uma irreconhecível serenidade.

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foto: Conjunto Nacional e edifício do Banco do Brasil na avenida Paulista, em São Paulo, por Ricardo Imaeda

Friday, December 19, 2008

Quase líquido

[ao som de ‘Paciência’, de Lenine e Dudu Falcão: ‘a vida não pára... a vida é tão rara’]


Notícias ruins continuam a bater à porta na periodicidade de jornais. Muitas vezes como ameaças, antecipações de infortúnios. Ainda se aproximam mais do distraído, fazendo o circuito de profissionais. Elas só se comprazem com o tormento dos outros. Na desgraça dos aflitos parecem querer encontrar um pouco de paz.

Nuvens sem diluição.

Mas se desequilibram, também estendem luz para aquele que contempla, na profundidade do que contempla.


Estes são dias para verdadeiramente ver e acordar.
Feliz Natal.

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foto: detalhe da via expressa marginal Pinheiros, região sudoeste de São Paulo, em noite de quase garoa, por Ricardo Imaeda

Saturday, December 13, 2008

Com a Terra

[ao som do prelúdio da Bacchiana Brasileira 4, de H. Villa-Lobos, na versão de Egberto Gismonti]


Depois de uma viagem de trem ao lado do rio Pinheiros, em direção ao rio Jurubatuba, com a cidade sempre em volta, e de uma caminhada de pouco mais de um quilômetro, a tarde ganha outros tons e uma nova atmosfera. Não mais o ranger frenético das rodas e negócios, mas o escoar simultâneo da pessoa e do tempo.

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foto: lago Guarapiranga, a partir da margem norte, no bairro do Socorro, zona sul de São Paulo, por Ricardo Imaeda


Saturday, December 06, 2008

Consumo como sono


Não é bem cair na tentação do consumo desmotivado. Andar em meio a tanta gente que compra às vezes dá certo conforto. Um a um poderia ser alguém conhecido, com quem se conversou em rotinas de trabalho ou fila. Talvez um rosto da infância.

Nessa época do ano eles parecem se animar a sair de casa, adensar as ruas. Nem que seja por um rito automático de trocas. E mesmo nos seus movimentos de busca alguma coisa de inesperado pode sobrevir.

Há um conforto além da oferta variada de produtos. Ou da simples presença de outros, ainda que indiferentes. Eles compõem um cenário flutuante, no limite entre a inconsciência e a ilusão. São como o sono a quem está cansado.

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foto: interior do Conjunto Nacional, na avenida Paulista, em São Paulo, por Ricardo Imaeda

Monday, December 01, 2008

Desembarques a bordo


[Ao som de ‘Tajabone’, de e com Ismael Lo]


Agora estava em movimento. Não fazia diferença se a paisagem não mudasse. Sua percepção o levava para longe. Tinha arrumado os papéis e objetos do passado em caixas, estocadas em fundos de armário. Dos registros apenas o que havia transbordado em gesto, ação.

Sem história, sem desejo era como se deslizasse pelas ruas de uma cidade ainda desconhecida.

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foto: estação de metrô Alto do Ipiranga, no bairro do Ipiranga, em São Paulo, por Ricardo Imaeda