Monday, April 27, 2009

Uma parte do que vai


É como andar sem óculos, precisando deles. Lá estão as coisas, mas também a incerteza. Os caminhos, mas os engasgos. Entre o olhar e o gesto há um tempo para deter ou soltar. E seguir.

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foto: detalhe da praça Victor Civita, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, captado por câmara artesanal Pinhole, feita em caixa de fósforo, por Ricardo Imaeda

Tuesday, April 21, 2009

Tao 2


Eis aí por onde fui,
dias e meses sem saber
por onde fui
E voltei para encontrar
o que, conhecido,
passou sem se deixar reconhecer

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foto: cachoeira do Engordador, no núcleo de mesmo nome do parque estadual da Cantareira, na zona norte de São Paulo, por Ricardo Imaeda

Wednesday, April 15, 2009

Viver o bardo

É viver a incerteza como único chão. Com seu movimenta contínuo, sem sentido, sem canções. Encher o balde que poderá verter a qualquer instante sem saber e sem lamento. Ou, ao contrário, com a voz no limite do protesto e da dor.

É um fio extremo de estreiteza, mas de largadas ilusões. Que se tateia com receio quase fuga, e se agarra para evitar quedas antecipadas. E que se esquece a cada possível alegria.

É suspenso a baixa altitude, medo controlado. Em cada novo olhar o mesmo piso mais perto, e perto se perde qualquer via de escape.

Mas também é atentar para detalhes que antes passariam despercebidos. Para o que não significava. E agora passa a viver.

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[‘bardo’ é um termo tibetano para os estados intermediários, transitórios, como a vida, o período de passagem entre a vida e a morte, e a própria morte]

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foto: estação-ponte Santo Amaro do metrô, a partir da estação de trem de mesmo nome, às margens do rio Pinheiros, na zona sul de São Paulo, por Ricardo Imaeda

Wednesday, April 08, 2009

Encontro

Desço lento a Augusta, passo pela frente do Vegacy, do Cinesesc, das galerias do lado ímpar. Não importa por onde, o movimento realimenta o caminho. Estou com o vento. Estou no vento.

Desço a Teodoro devagar, sem ponto de chegada. Quase tropeço nos ladrilhos mal soltos, quase me atrapalham. Mas vou pelos passos como se fosse vento, na ausência de qualquer sentido.

Ando como se nada mais importasse, agora que as calçadas se estreitam, ando. E ando com montanhas e aves, florestas e vales, em plena cidade.

Com o vento. Com toda essa companhia para quem sou parte, e não deixo rastros.

[Augusta e Teodoro Sampaio são duas ruas comerciais muito conhecidas na cidade; Vegacy é um restaurante e lanchonete vegan]

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foto: trilha da nascente do rio Ipiranga, no interior do Jardim Botânico, na zona sudeste de São Paulo, por Ricardo Imaeda

Thursday, April 02, 2009

O que se cria

Algumas coisas existem, quer se acredite quer não. Exercem uma força de arrasto mesmo que se procure ignorar. Uma espécie de magia sem movimento. Elas estão contra, durante noites e claros.

Não são fantasmas nem naves desconhecidas. Mas atormentam com sua presença, tanto mais sentida quanto mais negada.

E para quem precisa continuar (ou apenas teme partir) essas coisas funcionam como memórias alteradas. Criam uma imagem parecida, mais sombria, do que foi; mais incerta, final, do que pode aparecer.

Talvez por conta desses freios aquele que caminha começa a inventar. Inventar amigos, enredos, lugares. Essas outras coisas que o amparam, mas também não existem.

[ao som de ‘Mysterons’, de G. Barrow, B. Gibbons, A. Utley, com Portishead]

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foto: grande auditório do parque Anhembi, na zona norte de São Paulo, por Ricardo Imaeda