Tuesday, October 26, 2010

Entre tantos

A aridez do dia a dia transborda e se coagula em tantos filmes sobre o sem sentido, semana pós semana. Estão lá perdendo a cor, palavras planas de relevo. E não existe mais nenhum passado a que voltar. Só uma estreita faixa, mal sinalizada, por onde o desconsolado tropeça e o sopro se perde. Assim vai também quem o acompanha, cada vez mais sem resposta, sem retorno.

Olha para o chão quebrado, irregular da cidade. É apenas mais um. Talvez isso o reconforte um pouco.

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foto: jardim do Museu dos Transportes Públicos, no bairro do Canindé, em São Paulo, por R.I.

Monday, October 18, 2010

Contemplações

A época de florescimento e colheita de alcachofras é uma oportunidade boa para visitar os pequenos sítios produtores e contemplar. Contemplar a vida simples, o tempo mais lento, as pequenas e grandes sinalizações da natureza. Nessas flores a beleza visível e a inesperada vivem lado a lado, à espera do olhar de quem passa. De quem para.

Quantas vezes parar deixa espaço para o impensado aparecer. E uma pausa a não ser preenchida. Apenas ficar ali, enquanto o vento se deixa sentir, na garoa leve sobre cabeças imergindo na paisagem.

Na calma estática das alcachofras vibra uma resposta que não parece ao alcance. Que talvez não venha. Mas está ali.

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foto: detalhe de plantação de alcachofras em São Roque, São Paulo, por R.I.

Thursday, October 14, 2010

Pela passagem de uma grande alegria

[Em comemoração ao extraordinário feito de resgate dos mineiros no Chile]

O movimento da roldana engancha todo o olhar. Seu giro horário mostra que a cápsula continua a subir. Vai tudo bem. Lento demais para quem assiste ou carrega, mas rodando sem parar, é o que importa. Já são tantos que voltaram ao solo e, ainda assim, não dá para respirar aliviado até que o último dos socorristas retorne a salvo.

No trabalho incessante de tantos homens há muito mais que diligência ou solidariedade. Há um conduto de transcendência. Do humano enquanto vida, do todo que se reconhece e se encontra em cada um. É como se ao tocar o limite do suportável se reacendesse um sentido quase perdido de sublime. De verdade.

Nessas horas, por mais frágil e estreita que possa ser a passagem, parece renascer uma possibilidade.
Nessas horas é possível ver a travessia.
Sim.

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foto: detalhe de marcador de livro em cobre produzido no Chile, por R.I.

Wednesday, October 06, 2010

De todos os tempos sem onde

Cada vez que volto à cidade da infância para votar é como se reencontrasse alguém que não tivesse passado, ainda vive aqui. Não ficou naquele colégio nem se dissipou no tempo. Ele continua não como um fantasma, mas de um jeito que me faz lembrar da imortalidade das coisas sentidas.

A cidade da adolescência ondula sob as calçadas reformadas, mais gastas do que todas as tentativas de fazê-la passar. Faz par com o jovem partido em direção a qualquer ponto incerto, envelhecido no retorno a qualquer lugar conhecido.

Não é mais a cidade agora. Talvez estejam todos ainda aqui, enquanto caminho devagar para o fundo, para fora, para não sei onde.

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foto: vista do centro da cidade de Osasco, na região metropolitana de São Paulo, por R.I.