Monday, November 15, 2010

Pedagogia das pedras

Algumas cidades se infiltram na memória através do olhar; outras perduram no paladar. Mas Paraty fica para sempre a partir dos pés. O piso espartano do centro histórico deixa marcas fundas em quem por ali passou. Como se equilibrar nessa sequência irregular de curvaturas e arestas, lisos e rascantes, reentrâncias e gumes? É talvez a possibilidade mais viva de experimentar hoje como deve ter sido dura a vida na colônia. Andar deveria ser um exercício diário de atenção vigilante.

De onde podem ter vindo aquelas pedras todas? Não só dos pisos como das paredes. Quem sabe dos leitos e margens dos rios vizinhos. Pedras que estacam e se soltam, que forçam a olhar para baixo, a reduzir o passo, pensar outra vez antes de pisar.

Na instabilidade dessa base a singeleza calma da arquitetura das casas parece ganhar outro sentido. As ruas repelem com seu convite desafiado. São como um sacrifício de passagem. Mostram a dificuldade de se movimentar, o caráter travado do fluir social. Moldura áspera para um convívio fechado nos espaços privativos.

Olhar para esse chão é olhar para rios transformados, ainda presentes. Em cada pedra se encontram as histórias da natureza e da cidade, mais juntas do que se poderia imaginar, mais tensas do que suporia o viajante incauto.

Sentir essas pedras depois de todo esse tempo faz reviver os pés de tantos outros que devem ter tropeçado ou escorregado a caminho.

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foto: detalhe de rua do centro histórico de Paraty em um dia de chuva fina, por R.I.

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