Algumas cidades se infiltram na memória através do olhar; outras perduram no paladar. Mas Paraty fica para sempre a partir dos pés. O piso espartano do centro histórico deixa marcas fundas em quem por ali passou. Como se equilibrar nessa sequência irregular de curvaturas e arestas, lisos e rascantes, reentrâncias e gumes? É talvez a possibilidade mais viva de experimentar hoje como deve ter sido dura a vida na colônia. Andar deveria ser um exercício diário de atenção vigilante.De onde podem ter vindo aquelas pedras todas? Não só dos pisos como das paredes. Quem sabe dos leitos e margens dos rios vizinhos. Pedras que estacam e se soltam, que forçam a olhar para baixo, a reduzir o passo, pensar outra vez antes de pisar.
Na instabilidade dessa base a singeleza calma da arquitetura das casas parece ganhar outro sentido. As ruas repelem com seu convite desafiado. São como um sacrifício de passagem. Mostram a dificuldade de se movimentar, o caráter travado do fluir social. Moldura áspera para um convívio fechado nos espaços privativos.
Olhar para esse chão é olhar para rios transformados, ainda presentes. Em cada pedra se encontram as histórias da natureza e da cidade, mais juntas do que se poderia imaginar, mais tensas do que suporia o viajante incauto.
Sentir essas pedras depois de todo esse tempo faz reviver os pés de tantos outros que devem ter tropeçado ou escorregado a caminho.
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foto: detalhe de rua do centro histórico de Paraty em um dia de chuva fina, por R.I.

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