Tuesday, March 30, 2010

Impermanência permanente

“Seu rosto brilha em reza
Brilha em faca e flor”
- Fernando Brant


Não é um deslizar sem dor. Gumes e pontas se acotovelam em um rascar contínuo. Faz dia. Muitos dias. Talvez nada mais passe em seu caminho. O desenho da trilha vai se perdendo. Mas também a sede.

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foto: cachoeira entre as montanhas da serra da Mantiqueira, na cidade de Joanópolis, ao norte de São Paulo, por R.I.

Saturday, March 20, 2010

O que vai

[ao som de ‘We’ve only just begun’, de Paul Williams, com os Carpenters]

Para todo lado que olha se estendem radiais. Cada vez mais longas, fogem para mais longe. No início de alguma rua, pessoas e pessoas seguem seus destinos. Alongam-se nas passadas, fogem para mais.

Elas se afastam, enquanto a terra desgastam.

Do chão não suporta o peso que o leva para onde apenas resta a corda soltar.

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foto: escada-rolante de acesso à plataforma da estação de metrô Consolação, no subterrâneo da avenida Paulista, por R.I.

Saturday, March 13, 2010

O extraordinário

Do nada o que era rotina respira ventos de estrangeiro. Os menores movimentos condensam olhares. Não é outro o lugar, não mudou a pessoa. E, entanto, parece deslizar com outro significado o mesmo passo. Sem qualquer conceito ou julgamento, intraduzível em palavras, apenas presente. Pode imaginá-lo sonho – desperto, inconsciente. A cada instante uma outra coisa.

Nessa tocada seguem os dias. Um palmo acima do solo, parte sono parte margem.

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foto: interior do Mercado Municipal de São Paulo, no centro da cidade, por R.I.

Monday, March 08, 2010

Círculos lineares

Algumas coisas são cíclicas e outras, de uma linearidade sem clemência. As feiras se repetem toda semana, mas o envelhecimento segue irremediável. Parece que se subtrai de cada gesto um pouco da energia cada vez. E tantos outros ultrapassam seu caminho em velocidade ampliada. Moinhos cadentes.

Quase não usa mais seu relógio, enquanto a bateria continua a se gastar. Não lhe perguntam mais as horas; elas também se afastam. Deve ser isso perder o centro: sentir as linhas de contato partirem ainda que não reconheça o abandono.

Faz noite a qualquer hora. Ônibus e trens atrasam. Quando chegam, lotados, riscam o chão de um jeito que não se pode mais saber se voltam ou recolhem. Não faz diferença.

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foto: torre da estação da Luz, na região central de São Paulo, por R.I.

Wednesday, March 03, 2010

Sem lugar

Muitas vezes não se sabe por que caminhos andou, nem que outras chances haveria de encontrar de novo o que hoje se distancia. Parecem lugares de sonhos mal dormidos ou, quem sabe, mal acordados. Não trazem marcas de localização, não fornecem pistas. Flutuam como fantasmas. Como faces sem nome. E assim continuam a impor seu estranhamento aos dias, estando sempre a partir.

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foto: vista da catedral de Santos, no estado de São Paulo, por R.I.