Sunday, July 27, 2008

Uma nova troca

[ao som de ‘Landslide’, de Steve Nicks, na voz de Stacey Kent]

Cada nova compra desconta um pedacinho das perdas. Era isso que talvez pensasse, mas não adiantava. E por não adiantar perdia mais em cada novo gasto: a compensação, o dinheiro e a ilusão de uma troca justa. Não há mais justiça nessas ações. Nem razão adicional a não ser o próprio feitiço da mercadoria. Foi assim que passou a atentar mais para a paisagem.

::foto: detalhe do largo da Concórdia, no Brás, em São Paulo, por Ricardo Imaeda

Monday, July 21, 2008

Se assim ouvir

[ao som de ‘Orbis de ignis’, de Lisa Gerrard e Brendan Perry, com o Dead Can Dance]


Não tema. Os aviões já estão com os assentos lotados e não há mais vagas em nenhuma repartição. Se não quis planejamento não sofrerá efeitos colaterais.

Não sofra. Nada há por baixo da terra: nem morte nem ressurreição. Apenas o magma, quase líquido como a irrealidade por que se move.

Assim, medo e sofrimento não se justificam no horizonte, quando a trilha sonora se fará ouvir com maior intensidade.

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foto: parque Villa-Lobos, região oeste de São Paulo, em tarde-noite de groove e garoa, por Ricardo Imaeda

Tuesday, July 15, 2008

Empuxo

‘Eu sou mais forte do que eu’
-- Clarice Lispector


Todo o esforço acumulado nesses anos parece ganhar autonomia no instante em que deixa de caber nos ombros. Não mais como um amontoado de concreto exercendo pressão nas articulações, mas como um fantasma incorpóreo, apartado ao redor.

Deixa o corpo andar quando a prudência diria para se recolher. Mas sem muita graça. Sem um endereço. Agora que os outros não parecem mais notar nem a sombra, é ele que parece me empurrar para fora do viaduto.

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foto: avenida dr. Arnaldo a partir do interior do Centro de Cultura Judaica, em Cerqueira César, São Paulo, por Ricardo Imaeda

Thursday, July 10, 2008

O percurso do não


Enquanto durasse a estranheza voltaria vezes e vezes para esta espécie de mirante onde as sirenes não seriam ouvidas. Quando as atribulações parecem pouca coisa comparadas com o transcorrer do dia. E as questões de sempre ocupam enfim a cena e o fundo.

O visitante espera as luzes acenderem para velar melhor os que se movem, os que se debatem lá embaixo. Mal sente o artifício, os ventos o trazem de volta ao passado, que realmente o domina. Cabe em cada ponto ao seu alcance em cada giro de cabeça a cada negativa em que se reconhece. Um sem fim de recusas.

Do alto é possível sentir mais perto as histórias não percorridas.

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foto: vista oeste a partir do café do Sesc Avenida Paulista, em São Paulo, por Ricardo Imaeda

Monday, July 07, 2008

Um dia a menos


Porque não seria mais a repetição de qualquer coisa na terra. A começar do teatro de esperanças e maldades na voz de tantos rostos diferentes. Nessas ruas de declínios, retratos, por que não passam mais personagens.

E nas fachadas contra tempo voltam as ofertas de circularidade feliz.

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[ao som de ‘Lascia ch’io pianga mia cruda sorte’, de Haendel, na voz de Cecília Bartoli]

Thursday, July 03, 2008

A mais exata compreensão



- Mais luz!
- Se ao menos houvesse fundo...


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foto: torres de iluminação do estádio municipal do Pacaembu, no bairro de mesmo nome em São Paulo, por Ricardo Imaeda