Tuesday, July 26, 2011

Agora e na hora

Tanta informação, toda a necessidade de sentido. Traçar uma linha se parece com criar histórias, ficcionalizar vidas. Caminham lado a lado, imagens ocas, peles abandonadas.

Em um instante de folga (ganha à força) abro livros, que libertam fontes. Não demoram a cobrir ossos e vácuos em novas florações.

À literatura!

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foto: interior da Biblioteca de São Paulo, na zona norte de São Paulo, por R.I.

Saturday, July 09, 2011

A partir

Fechou as janelas devagar, sem o estrondo de outras vezes. Não havia cortinas para baixar. Olhou para cada canto do quarto, sala, cada móvel, objeto. Na quietude em que estavam pareciam lançar um convite para ficar. Tanto tempo lhe fizeram companhia, ganhando quase rosto.

Tocou as almofadas com um carinho de ausência, de dias recombinando cidades e histórias inconclusas. Em cada uma dez mil direções, sem nitidez, como sua miopia sempre envolvendo. E os escritos sem lentes, sem linha, sem luz.

Andou lentamente para olhar mais lento para cada pedaço de si extraído externado em lugar. Quase parando em cada outro inspirado adotado em pessoa. Entre eles apenas passagens para desencontros.

Respirou em plena consciência, andou para a porta, parou. Assim, através de nuvens e desertos olhou para casa pela última vez.

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foto: interior da Catedral Metropolitana de Santiago, Chile, por R.I.

Tuesday, July 05, 2011

Anti-espelho sonoro

Parece sempre estranho ouvir a própria voz gravada, qualquer que seja o meio: secretária eletrônica do telefone, computador, gravador digital. Não é, de forma alguma, um espelho sonoro. Ela te fala de algum lugar muito distante. Alguma arca reaberta em uma plataforma distorcida. Que insiste em devolver um texto já rompido, abandonado.

Não é você mesmo, mas guarda alguma familiaridade. Talvez em algumas vogais escuras, muito breves e quase imperceptíveis. Ou naqueles tiques de longa existência, que os ouvintes atentos podem reconhecer.

Mas é outra voz, mais aguda, mais grave. Outra alma confrontada na invisibilidade, nessa ponte de mão única. Ela se repete cada vez diferente a alguém que parece não mais lembrar como foi chegar a esse outro lado. Uma voz desnaturada, suspensa no tempo.

Ela perturba o viajante nas horas pares quando tenta trazer companhia sem ao menos causar um tremor.

:: foto: detalhe do Ohtake Cultural, em Pinheiros, São Paulo, por R.I.

Sunday, July 03, 2011

Ainda

O uso exagerado da consciência mental acaba envelhecendo em demasia o organismo. Mais que cansa, matura e amortece. É como a conexão de internet consumindo a bateria do telefone. Desgaste, desmonte. O tempo se encolhe para o desenlace das preocupações. Passa o dia, a hora em minutos. E o pensamento, a que destino chega depois?

Cessam as vozes nesse crepúsculo sem lanterna. Nessa pressa de dizer para onde. Estará lá, ainda que em quebra, ainda fraco, sem horizonte. Na terra sem promessa e sem história.

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foto: fim de dia sobre lago no parque Ibirapuera, em São Paulo, por R.I.