Tuesday, April 26, 2011

Outro mundo

Algumas vezes vem essa sensação de estranheza com tudo em volta. A impressão de que o tempo passou, os lugares passaram e qualquer coisa ficou perdida não se sabe onde. Poderia ser apenas um desajuste temporário, não fosse o incômodo, o peso de um transcorrer sem fundo.

Chega a hora em que não se encontra mais lá nada do que poderia ajudar a reconhecer a figura. O exterior desconectado de um interior cada vez mais encolhido e sem pares.

Diferente de uma viagem insólita. Está mais para uma deserção.

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foto: ruínas da Real Fábrica de Ferro São João de Ipanema, na cidade de Iperó, estado de São Paulo, por R.I.

Monday, April 18, 2011

Em uma noite e um dia

A Virada Cultural é uma concentração no tempo e espaço da experiência urbana de uma cidade complexa como São Paulo. No polígono central é possível passar por um repertório imenso de contatos e diferenças. De descobertas a mesmices, de felicidade instantânea a sustos tenebrosos. Ali as pessoas reconhecíveis do cotidiano, mais além grupos que não se encontrariam se não fosse por essa noite e dia.

Por isso é difícil chegar a qualquer síntese que não a da diversidade. O percorrer em círculos e vertigens cada esquina.

A cidade se reconhece, apesar, mesmo assim.

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foto: encenação da ópera I Pagliacci no Páteo do Colégio, local de fundação da cidade de São Paulo, por R.I.

Sunday, April 10, 2011

Baldes

Chutou o balde. E qualquer resto de espera que nela coubesse. Esgotara o pavio sem chamas. Só saberia o efeito mais tarde, quando fosse conferir o saldo. Foi controlado na hora: nenhum rastro de raiva, alguma elegância, precisão. Mais perto do simbólico do que do choque. Nem sabe ainda como desatou o gesto. Caíra de si depois de tantos anos.

Baldes. Bastantes.

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foto: fragmento do espetáculo ‘Os reis preguiçosos’ do grupo francês Transe Express encenado no parque da Independência, Ipiranga, zona sudeste de São Paulo, por R.I.

Saturday, April 02, 2011

O sabor do sentido


Ele caminha pela cidade sem um destino conhecido. Foi assim que descobriu tantos lugares de encanto – prazer do encontro e chegada. Não apenas as ruas estreitas, mas mesmo as avenidas mais trafegadas guardam cantos inesperados ou recentemente modificados. Uma nova confeitaria, quem sabe. A torta de amêndoas, de cor e textura acolhedoras, parece chamar em silêncio.

No prato à frente os minutos parecem escandir a pausa, um repouso em parada. Cada fatia se encolhe em menos em mais se expande no sabor enfim liberto. O horizonte ensaia acabar no doce; o tempo, no gosto.

Enquanto durar seu toque a vida escorrerá em sentido. Incompreensível, devotamente apreendido.

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foto: instalação cenográfica de cafeteria na São Paulo antiga, no segundo andar do Memorial do Imigrante antes da reforma ora em curso, por R.I.