Sunday, March 29, 2009

Tao

Respira.
As estimas se evaporaram.
Os sabores se perderam.
As letras intermitam.
Mas o vazio foi recuperado.
O vazio em que me reconheço, cada pequeno fragmento.

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foto: detalhe do lago das carpas, no núcleo Pedra Grande do parque estadual da Cantareira, zona norte de São Paulo, por Ricardo Imaeda

Tuesday, March 24, 2009

Equilíbrio, embora

[ao som de ‘120...150...200km por hora’, de R. Carlos e E. Carlos, na voz de Roberto Carlos]

Um iceberg. Talvez com correntes de prata. Ele navega na vontade dos ventos ou das correntes marinhas. Cada vez é menos visto, parece naufragar.

Uma foto do passado. (Toda foto é passado). Lá estão desejos gratinados. E ventos sob controle.

Um passo. E a escolha ganha forma.

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foto: templo budista no bairro da Liberdade, centro de São Paulo, ao lado e ao alto da via expressa Radial Leste, por Ricardo Imaeda

Friday, March 20, 2009

Equinócio


Tento lembrar a letra daquela canção, tantos anos atrás, enquanto caminho lento, sem origem, quando também não havia futuro. Nada além de sobrevida. Um dia a cada falta de mês.

‘And I know it’s over – still I cling
I don’t know where else I can go
I know it’s over’

Outono agora. Como fazer para chegar até a outra margem?

[ao som de ‘I know it’s over’, de J. Marr e S. Morrissey, com The Smiths]

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foto: panorâmica litorânea da cidade de Santos, por Ricardo Imaeda

Monday, March 16, 2009

De planos B esquecidos


Por muito tempo ele acreditou e abraçou mesmo a necessidade de ter um plano B, com inúmeras variantes para o caso de alguma ameaça sobrevir. Os dias se foram com distrações e apagamentos. Então se esqueceu. Como não havia anotado teria de pensar novamente, criar outra vez roteiros de escape. Mas com muito menos vontade e energia. Peso da idade, talvez, cansaço, indecisão.

Agora quase não existem mais sinais externos. É como se os sons da vida tivessem saído sem tocar na porta. Que não se consegue mais abrir, esforços enfraquecidos.

Do esquecimento não resta nem um começo.

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foto: detalhe da fachada do edifício do antigo Banco de São Paulo, projeto de Álvaro Botelho, em art déco, atualmente sede da Secretaria de Juventude, Esporte e Lazer, no centro de São Paulo, por Ricardo Imaeda

Tuesday, March 10, 2009

Não mais

[ao som de ‘Ships’, de I. Hunter, na voz de Barry Manilow]


Não sei por quantas vezes mais farei esse mesmo percurso tão conhecido, rotinizado. Por esses anos todos os movimentos foram quase imperceptíveis, ocultos por outras preocupações. Agora, com a fragilidade externada cada passo parece pesar decisões. E o que surgia certo é surpresa, é mistério.

Tenho andado em círculos pela casa, mas não se acumulam dias. É como se perdesse no fim da noite o que se repetiu com gasto numa vigília sem luz.

‘We’re two ships that pass in the night
We both smile and we say it’s alright
We’re still here, it’s just that we’re out of sight
Like those ships that pass in the night’

[‘Somos dois navios que passam à noite
Nós dois sorrimos e dizemos que está tudo bem
Ainda estamos aqui, apenas estamos fora de vista
Como aqueles navios que passam à noite’]

E quando acordo, madrugada sirene, ainda esbarro nos móveis conhecidos em caminhos estranhos, que tanto pareciam meus.

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foto: início ou final de um dos canais da cidade de Santos, por Ricardo Imaeda

Saturday, March 07, 2009

Tardes sem blueberry


Quando tudo parecia perdido ainda estava em cartaz na cidade o filme mais recente de Wong Kar-Wai, ‘My blueberry nights’. Pela primeira vez em inglês lá estão seus marcadores de estilo: o trem cortando a paisagem na noite, velocidades alteradas nos personagens e nos figurantes, balcões de comida, a música-atriz, cores atuantes, viagens sem partida, olhares perdidos no tempo-distância.

Nada é quase diferente nas histórias. Só mudam os atores e o jeito de contar. Sempre com sabores mistos de base. Agora é o doce azedo da torta de blueberry, no limite da validade e solidão, no fim de dia na grande cidade.

Seria demais dizer que dá quase para sentir esse gosto, pouco perto demais para ser reconhecido. A torta continua lá, assim como os trens, as canções e o sentido de encontrar.


[em clima kar-wai o filme já não está mais nas salas de cinema da cidade]

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foto: detalhe da rua Matheus Grou, em Pinheiros, região oeste de São Paulo, por Ricardo Imaeda

Wednesday, March 04, 2009

Metade

[ao som de ‘Metal contra as nuvens’, de R. Russo, M. Bonfá, D. Villa-Lobos, com a Legião Urbana]


Não é como uma encruzilhada comum, em que ao se escolher um caminho perde-se de vista o outro, cada vez mais distante. Ela vai continuar lá, correndo em paralelo, sempre ao alcance do olhar. A vida que poderia ser, vivida pela grande maioria; a que volta e meia quer voltar a ser percorrida; uma normalidade que seduz e repele, ali, quase aqui.

Em paralelo, mas sem troca. Sem toque, sem volta.

Só o simples passo para a outra via já parece impossível, um pesadelo semi esquecido. Um passo que não encontra piso contra o qual se firmar. Mas continua a aparecer em imagem – fantasma, relíquia?

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foto: museu Anchieta, em primeiro plano, e edifício Altino Arantes, ao fundo, no centro de São Paulo, por Ricardo Imaeda