Thursday, May 20, 2010

Oito

Deixando para trás a multidão e o burburinho à espera da apresentação da orquestra municipal e do Coral Lírico, um momento de parada e respiro prolongado. Entrar na Pinacoteca de noite só nessa época. E só assim, com o escuro natural, para apreciar em plenitude essa obra. De delicadeza e força, no pulsar das luzes e canto de pássaros.

O desenho me lembrou do nobre caminho óctuplo, as orientações budistas para um viver desperto. Lá estava um motivo de contemplação, multiplicidade de vazios, transparentes, perpassados de tudo o mais que não matéria. Os professores de música de ‘...E la nave va’, de Fellini, extraindo fina melodia das taças no navio a ponto de naufragar. Meus próprios ensaios de canto, quantas mesas à espera de quem sabe-se lá quando. E as luzes encantam, ensonam, entornam.

Lá fora, a grande festa da cidade continua. Ela está aqui, apagando e acendendo, lentamente. Viva, no espaço entre duas inspirações.

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foto: instalação de Vera Barcellos, com taças e luzes, especialmente criada para o octógono da Pinacoteca do Estado, em noite de Virada Cultural, na região central de São Paulo, por R.I.

Sunday, May 16, 2010

Aqui, São Paulo

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fotos: cenas da noite e dia da Virada Cultural 2010, em São Paulo, por R.I.

Wednesday, May 12, 2010

Subterrâneo sem fim

Alice quer mais voltar para casa do que ficar no mundo subterrâneo. Pensa como Dorothy, de ‘O mágico de Oz’. Afinal, todo esse cotidiano de aventuras não parece ter a densidade da superfície. Talvez venha a sentir falta daquele gato de um peso vaporoso. Ou das mudanças tão imediatas de volume que a deixam andar por todos os cantos, ainda que sempre fora de escala.

Não se ajustar nunca de fato parece ser a melhor saída. Mas o retorno também parece nunca ser concluído.

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foto: detalhe do parque da Água Branca, na zona oeste de São Paulo, por R.I.

Tuesday, May 04, 2010

Os dias passam fantasmas

[ao som de ‘Teardrop’, do Massive Attack]

Ele andou pela cidade lento e sem direção, mas com alguns trechos de música de um passado recente. Olhava para baixo na medida do peso de cada passo. Das mãos desabavam lágrimas condensadas.

Qual seria o endereço do ano em que abandonou o caminho da boa esperança? O exato instante do desvio das avenidas principais, do chutar de baldes? Teria sido em um entardecer como esse, contra ventos frios suaves ou em alguma noite desperta, quando afinal?

Não parece haver sinais. É como se ele nem passasse mais por essas ruas. Como se flutuasse em outra dimensão, perdido para a cidade. Ou mais real do que nunca.

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foto: trecho final da avenida Paulista, na região central de São Paulo, por R.I.

Saturday, May 01, 2010

Áudio retrato

Começo a criar uma play list com as canções da minha vida. Não uma simples relação de músicas que marcaram a biografia, tingiram com dor ou alento os dias, mas também aquelas que, mesmo sem ter significado tanto na época, traduzem como ninguém a personalidade, o espírito, o jeito de ser.

É um exercício de contemplação profunda. Uma volta ao que se foi, se perde ou estagna, e renasce tantas vezes. Em cada canção um álbum de fotos parece se desdobrar.

A lista vai se alongando. Como se quisesse sobrevida, mais chances, uma nova existência. Será sempre assim qualquer tentativa de se entregar?

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foto: detalhe do saguão da estação Luz, no centro de São Paulo, por R.I.