Saturday, November 18, 2006

Vidros agudos

Mais uma peça de vidro se quebra. Desta vez é um porta-retrato. Das duas placas finas sobre pequenos pedaços de madeira, os cantos ficam moídos e um risco diagonal percorre toda a superfície. Minha foto noturna, na praça do Sol em Madri, parece rasgada. Mas não. Ela sai intacta. É apenas o vidro que se vai.

Gosto de vidro. Da sua transparência quase cristalina. Dessa fragilidade, que toda hora faz lembrar de uma finitude ali, depois da esquina. E o caráter meio dúbio, que às vezes permite transpor e em outras devolve a cena – um pouco de cada, dependendo do ângulo, da luz, de quem.

Busco vidros. Em peças para uso ou contemplação. Copos, pesos para papel, drusas de cristal e até mesmo um Buda holográfico. Um dia, por algum descuido ou acidente, como agora há pouco, o susto revirará o encanto da matéria. Só o trabalho de recolher todos os cacos trará de volta a aridez da areia.

Guardo a foto como os cacos. Qual deles guardará mais feridas?

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