Sunday, November 12, 2006

Sem férias

Depois de encerrado o filme, saio para a Consolação e viro em direção à Paulista. É começo de noite, as lâmpadas começam a se acender, mas ainda há luminosidade do dia. Caminho entre muitos passantes em pressa sob um silêncio interior. Algo está diferente. Como se a atmosfera do filme houvesse contaminado minha visão da rua. Não deveriam me entender, mas será que perceberiam? Todos agora faziam parte da história, personagens que ganhavam novo significado e pareciam reverberar as cenas daquele ano de 1970.

Andava devagar, mais do que de costume. Talvez porque quisesse respirar mais fundo, deixar decantar toda a delicada tessitura das vidas fictícias. Não que fossem parecidas com a minha. Escassa tangência. O silêncio, que agora se espraiava a todo o entorno, me aproximava mais de toda essa gente. Nem mesmo a velocidade e a turbulência dos carros e passos conseguem alterar o ritmo de câmara lenta.

Faz frio, o vento mais frio. Nos muitos rostos pareço encontrar algum sentido de fraternidade que me faz andar junto, por menos real que ela seja. Talvez nada além de uma ilusão produzida pela falta de palavras. Uma frágil ligação pelo espaço vazio assim aberto. Na ausência de sons as fraturas deixam de parecer abismos.

O silêncio nos aproxima.

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[O belo filme de Cao Hamburguer, ‘O ano em que meus pais saíram de férias’, está em cartaz no cine Belas Artes, em São Paulo.

Além de tudo o que já se disse a seu respeito, vale escrever que ele acompanha o roteiro de transformações de humanos sem a metáfora comum da viagem. Bem ao contrário de um road movie, ‘O ano...’ tem como lastro das mudanças o espaço fixo de um bairro, o Bom Retiro. Estar na cidade, viver a cidade permite criar variadas atmosferas e situações de decantação das experiências. Não só pelos encontros mas também muito mais pelo isolamento e silêncio que só nascem da vida difícil na urbanidade.

Que a história do filme possa nos atingir é um respiro feito dor sem linimento.]

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