Friday, February 22, 2008

Palavras ásperas para esperas secas

[ao som de ‘Só você manda em você’, versão de ‘You’re a big girl now’, de Bob Dylan, por Vitor Ramil]

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Ele fala como se criasse mundos. Como se suas frases fizessem acontecer. Se palavras por si só agissem na autonomia das vontades. É assim nos diálogos do cotidiano, nas propostas de relacionamento, nos discursos de candidatos. Parecem suprir o desejo de ficção da audiência. Ouve-se como se fosse pela primeira vez, agora que a memória falha e a atenção se distrai nos sentidos mais imediatos dos verbos, substantivos.

As palavras arrastam, acreditam. Ou querem acreditar. Nessa função servem para substituir outros ritos mais trabalhosos, como os gestos, as ações mínimas que movimentam a roda.

Não são veículos de conhecimento. Não acrescentam sabedoria porque não se prestam a nada mais que lembrar de si mesmas. Para quem ouve deve ser como esses programas de culinária da televisão: sugerem sem entregar, saciam sem sustentar.

Quanto se fala se perde na camada de ozônio, carbonos queimados aquecendo o planeta sem trégua.

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foto: detalhe da fachada do Centro Cultural São Paulo, por Ricardo Imaeda

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