Sunday, June 11, 2006

O que se deixa ao entrar

No aeroporto de Heathrow (como em tantos outros, imagino), há uma inscrição publicitária naquele verdadeiro free shopping center: ‘as melhores coisas da vida são livres de impostos’. Mais um dos intermináveis trocadilhos que caracterizam esse tipo de discurso. Mas que também podem levar para fora da sua intenção inicial. O que seriam as melhores coisas? Para quem quer categorizar ou normalizar tudo, as respostas devem seguir quase que automáticas ou o caminho das prateleiras fluirá desimpedido. Para quem quer vagar, meia volta para alguma cadeira e um ramalhete de reflexões.

O que escapa aos tributos e à captura do comércio? Até mesmo os pensamentos vivem cercados pelas tramas da compra e venda. Através de cursos, livros, conversas cobradas. Simples trocas são cada vez mais raras. Parecem sobreviver sempre ameaçadas pela intrusão de palavras de ordem, que trazem bugigangas de ordem. Livres de impostos, aquelas ofertas estão, e a um custo reduzido. Mas circulam pela rede social sob o signo de uma intermediação de drenagem. O preço, um selo seco.

Quando seu efeito passar, quer dizer, quando essas melhores coisas estiverem desembrulhadas e sem o feitiço da vitrine, talvez reste o que ficou de fora, como prenunciava aquela outra frase clássica, agora de Dante: ‘abandone toda esperança aquele que entrar’.

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