Saturday, July 22, 2006

Teoremas urbanos (a partir do cinema)



1. Personagens-símbolo das grandes cidades são anti-urbanas por excelência. O motorista de táxi de Martin Scorsese ou o caçador de andróides de Ridley Scott lamentam, a seu modo, seus destinos. São liminares antes que marginais. Vivem a solidão daqueles que não pertencem inteiramente nem a um nem a outro grupo social. Erram pelos circuitos da cidade. Carregam a revolução em suas armas: devem destruir os que criam sentido pela violência e os que violam o sentido da criação. Não há lastro comum de convivência. A cidade é o mal, condensa o mal. O reforço da cápsula-redoma-carro ou o atiramento para o norte são as vias de negação.

2. O rapaz dá um colar de pérolas furtadas à moça, no final doa ‘Anjos da Noite’, de Wilson Barros. Ela pergunta se são verdadeiras. A resposta modula toda a fabulação: ‘que importa; são belas’. A cidade à noite vive a ambigüidade: o verdadeiro e o falso, o real e o imaginário, o espontâneo e o representado. Mas importa que ela é bela. Na desordem de múltiplas biografias, expedientes, razões, a cidade expande os limites da percepção.

3. Novamente é Scorsese quem investiga a orientação na metrópole noturna. Em ‘Depois de horas’ é a falta de dinheiro e de um conteúdo de sentido comum que provoca a danação do até então sem-grandes-aventuras protagonista. A sobrevivência na cidade de tantos diferentes depende do que não precisa de linguagem de apoio: o equivalente geral, a intuição, o desinteresse.

4. A dor vem do desejo, segundo um verso budista. Os anjos deveriam saber disso ao quererem se transformar em humanos em Berlim. Entrar na temporalidade – na finitude – é, paradoxalmente, entrar num tempo fixo no presente: o cotidiano. Os mínimos gestos, às vezes grandiloqüentes, parecem não afetar a paisagem construída. Mas a dor parece se inscrever em cada traço. A melancolia da urbanidade é uma história mal resolvida.

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