Não perder ou perder pouco. Talvez seja isso que o tenha guiado em meio ao caos desses anos todos. As linhas se rompendo, pessoas desaparecendo. Sem mais a espera de outros tempos. E nem mesmo a nostalgia. Devia ser essa a experiência do deserto: terra seca para alma desidratada, miragens despidas pela desconfiança.
Assim era, como há muito agora.
:: foto: detalhe do marco zero, na praça da Sé, centro de São Paulo, por R.I.
Olhando em retrospecto, várias vezes ao longo da vida esteve diante de encruzilhadas. A cada escolha o percurso poderia mudar completamente. Tantas vezes a história poderia ter terminado ali, depois de pouco tempo. Quantas possibilidades ficaram sem nascer, memórias sem dono nem esperança. Mas inteiras.
E a biografia foi se completando, tintas secas por vales cadentes. Em novas visitas mais gastas que redivivas. Mais paisagens que não podem ser tocadas, nem abandonadas. Presentes.
A trilha não experimentada é um fantasma. De óculos. Assombração que devora humores das estações.
:: foto: segmento da estrada Cunha-Paraty em dia de chuva, por R.I.
Nos livros e filmes as grandes mudanças na vida vêm quase sempre acompanhadas de deslocamentos no espaço. Parece que a viagem para lugares distantes, ou apenas diferentes, funciona como um sinalizador inequívoco de que uma transformação de fato ocorre. O ambiente espelha o interior.
Perder-se em uma cidade, oferecer-se a toda sorte, funciona como um ato purificador – um ritual de renascimento. Assim devem querer os autores. Mas quem olha para o mutante talvez o perca em suas escolhas, suas dúvidas. Ignorará a jornada, ainda que perceba o refugiado. Ao outro persistirá a superfície, a face. Em parte do que será de novo o outro.
Será possível mudar sem vencer a barreira da pele? Sem se mover dos limites habituais, sem sair dos espaços conhecidos?
Aquele que procura parece estar um pouco além do aqui hoje. Ao mesmo tempo andou e ficou. Seu olhar parte, a paisagem ganha novo sentido. Tudo se mexe, cada coisa volta a seu lugar. Olha com estranhamento, senta-se e toma um chá enquanto pássaros cantam ao fundo.
:: foto: cúpula do orquidário Ruth Cardoso, no parque Villa-Lobos, zona oeste de São Paulo, por R.I.
Contra o ritmo veloz do fazer humano, o caminho. Diante dos dias reduzidos a minutos, me lembro de atentar para os passos, voltar aos respiros. A cidade com que tanto simpatizo precisa de tempo. De espaço para que o desequilíbrio possa se alargar em quedas, que dores se diluam na profusão dos outros afetos. Enquanto passam os tormentos. Fluentemente passam.
:: foto: pedras no percurso da cachoeira e do rio Pinhalzinho, em Joanópolis, estado de São Paulo, por R.I.
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