Algumas vezes vem essa sensação de estranheza com tudo em volta. A impressão de que o tempo passou, os lugares passaram e qualquer coisa ficou perdida não se sabe onde. Poderia ser apenas um desajuste temporário, não fosse o incômodo, o peso de um transcorrer sem fundo.
Chega a hora em que não se encontra mais lá nada do que poderia ajudar a reconhecer a figura. O exterior desconectado de um interior cada vez mais encolhido e sem pares.
Diferente de uma viagem insólita. Está mais para uma deserção.
:: foto: ruínas da Real Fábrica de Ferro São João de Ipanema, na cidade de Iperó, estado de São Paulo, por R.I.
A Virada Cultural é uma concentração no tempo e espaço da experiência urbana de uma cidade complexa como São Paulo. No polígono central é possível passar por um repertório imenso de contatos e diferenças. De descobertas a mesmices, de felicidade instantânea a sustos tenebrosos. Ali as pessoas reconhecíveis do cotidiano, mais além grupos que não se encontrariam se não fosse por essa noite e dia.
Por isso é difícil chegar a qualquer síntese que não a da diversidade. O percorrer em círculos e vertigens cada esquina.
A cidade se reconhece, apesar, mesmo assim.
:: foto: encenação da ópera I Pagliacci no Páteo do Colégio, local de fundação da cidade de São Paulo, por R.I.
Chutou o balde. E qualquer resto de espera que nela coubesse. Esgotara o pavio sem chamas. Só saberia o efeito mais tarde, quando fosse conferir o saldo. Foi controlado na hora: nenhum rastro de raiva, alguma elegância, precisão. Mais perto do simbólico do que do choque. Nem sabe ainda como desatou o gesto. Caíra de si depois de tantos anos.
Baldes. Bastantes.
:: foto: fragmento do espetáculo ‘Os reis preguiçosos’ do grupo francês Transe Express encenado no parque da Independência, Ipiranga, zona sudeste de São Paulo, por R.I.
Ele caminha pela cidade sem um destino conhecido. Foi assim que descobriu tantos lugares de encanto – prazer do encontro e chegada. Não apenas as ruas estreitas, mas mesmo as avenidas mais trafegadas guardam cantos inesperados ou recentemente modificados. Uma nova confeitaria, quem sabe. A torta de amêndoas, de cor e textura acolhedoras, parece chamar em silêncio.
No prato à frente os minutos parecem escandir a pausa, um repouso em parada. Cada fatia se encolhe em menos em mais se expande no sabor enfim liberto. O horizonte ensaia acabar no doce; o tempo, no gosto.
Enquanto durar seu toque a vida escorrerá em sentido. Incompreensível, devotamente apreendido.
:: foto: instalação cenográfica de cafeteria na São Paulo antiga, no segundo andar do Memorial do Imigrante antes da reforma ora em curso, por R.I.
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