Sentir o vento no peitoNele se ater, sem menos
Tempero e acentos, inteiro
Sentir no peito os veios
Intensos, sem medo nem tempo
Desde cedo, talvez sempre
Sem dizer
Sentir, sentir
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foto: detalhe do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, por R.I.
Escrever para compreender
Em ‘Além da vida’ (‘Hereafter’), dirigido por Clint Eastwood, as três histórias sobre experiências com os mistérios da morte estão entrelaçadas com os dilemas da vida terrena. É o impulso de lidar com eles que ajuda os personagens a resolver suas pendências, atravessar as pontes ou interromper o fascínio do que estaria do outro lado. Uma palavra de incentivo a continuar, a possibilidade de se expressar, um encontro romântico. Cada uma dessas realizações religaria os fios.
Espio Porto Alegre pela janela do táxi. A passagem pela cidade é rápida demais para deixar alguma impressão mais precisa. Mas lembro dos escritores que de certa forma a tocaram mais direta ou obliquamente. O canto fugato de Caio Fernando Abreu, as aquarelas amanhecidas de Mário Quintana. Que traços poderiam também ser os meus? Se a cidade não responde, deixarei que ela sobreviva na memória enquanto peças avulsas de um quebra-cabeças sem mapa. Cada pedaço talvez um começo de crônica, em dias quebrados, a cidade andando.
Serão as nuvens confiáveis? Guardarão com cuidado os arquivos relíquias? Parecem tão instáveis nesta época de liquidez constante. Mas cada vez mais são transformadas em biblioteca do mundo digital. Quem olha para elas talvez não imagine sua capacidade de reserva ou precipitação. Mais que água conduzem pensamentos para lá e além.
Olhar fotos antigas não significa sempre voltar-se para o passado. Algumas vezes é um exercício de rearranjar as peças de uma vida e conferir novos sentidos. Como se uma outra história estivesse passando, uma outra pessoa. E essa paisagem quebra-cabeças se tornasse a cidade de tempos corrigidos. Gestos desatados.