Ando como se já tivesse partido Sem ossos ou face, só frio Como se deixasse o mundo Ainda com as dores de início Ando como se afundasse Em um lodo sem aviso Em um corpo Esquecido
:: foto: detalhe da rua Florêncio de Abreu, no centro de São Paulo, por R.I.
É muito cansativo andar por entre esses dois pólos: de ser ninguém ou ser alguém, fundir-se ao todo ou destacar-se dele. Ser um monge ou ser um star. Tantas vezes a vontade fica no apagamento, quando o descanso parece ser o caminho mais tranqüilo. Mas é um repouso com sofrimentos também, esquecimentos, indiferença. Um sentimento de ser deixado de lado. Assim, um impulso de sobrevida acende o farol de alguma realização bem sucedida, algum sucesso bem realizado. De novo vem a instabilidade do movimento. E os sobressaltos. Sem fim.
Como é difícil ser ninguém, como é sofrido ser alguém.
:: foto: cena do espetáculo ‘Os reis preguiçosos’, da companhia francesa Transe Express, no Parque da Independência, Ipiranga, São Paulo, por R.I.
Ao contrário do que acontece normalmente, quando se costuma lê-lo na juventude, somente agora tenho esse encontro tardio com o ‘Siddharta’, de Herman Hesse. Tanta demora no contato traz suas compensações. Já não é mais uma abertura de portas, a descoberta de um mundo novo. O que agora acontece se aproxima mais de um reconhecimento, afinidade de caminhos percorridos.
Em uma de suas cenas finais, Govinda beija a testa de Siddharta e nele vê sucederem os mais diversos rostos, a vida, a Terra inteira. Nesse momento cessa a busca que tanto o propulsou. Ele finalmente consegue ter a experiência de uma iluminação que não se alcança pela pesquisa ou esforço, desejo ou sublimação. A unidade que ele então vivencia não pode ser explicada.
Quando li essa passagem foi como se me visse de novo com todos os vivos e vividos da noite de fim de ano de 2008, como escrito aqui no post de 01 de janeiro de 2009 (no texto ‘O que desponta e se dissolve’).
São talvez raras as vezes em que o absoluto se faz assim sentir, como poucos que o conseguem traduzir em palavras. Simples como agudas, a verdade na sua aparência mais clara de beleza.
:: foto: flor de lótus a ponto de abrir ou se fechar, em uma rua do bairro da Liberdade, em São Paulo, por R.I.
Lá estou, no espaço depois do horizonte, sem um pensamento de apoio ou motivo, em alguma espera modesta, adiante. Os dias se tornaram retratos e as palavras, desconhecidos.
Talvez ainda vibrem ventos, entre vindas esparsas, na hora em que a lua retornar a luz que os pássaros deixarão para trás.
:: foto: oceano Atlântico a partir da praia de Pernambuco na cidade do Guarujá, litoral de São Paulo, por R.I.
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