Nesta hora, se percebesse o mundo da forma como fazia, deveria sentir um imenso tédio, uma insatisfação sem fim. Deveria acolher como derrota o destino que se condensou à minha volta. E seguiria com pesar, cessando passo a passo a velocidade até que algo se partisse para sempre.
Mas não é mais assim, embora nada tenha mudado de fato. É como aquele ônibus de dois andares, se lembra? Os dois planos da existência, lado a lado (ou acima e abaixo). Olhar para cada coisa em profundidade, não mais como um outro, mas como parte do universo. E me ver dissolvido na fração que se perde no percurso.
:: foto: detalhe do interior da Catedral Metropolitana Ortodoxa, no bairro do Paraíso, em São Paulo, por R.I.
Quantas vezes terá olhado para o céu, dia ou noite, não em busca de algo extraordinário mas apenas de uma densidade diferente. Algo que o isolasse da rua e da vida como era gasta.
Por segundos restou entre os poucos espaços ainda livres, contemplando o que permanecia. Até quando desceu. E não saberia nem mais para onde.
:: foto: detalhe do jardim e da Casa das Rosas, na avenida Paulista, SP, por R.I.
Nesta última viagem de ida e volta rápida ao Rio de Janeiro o motorista de táxi faz uma daquelas perguntas que exigem resposta concisa e argumentada. Não foi dirigida a mim, mas deixou muito a pensar. Dizia ele que nunca tinha estado em São Paulo, perguntando logo em seguida se a cidade era bonita. Minha amiga alongou uma pausa para finalmente desfiar suas considerações.
O que faz uma cidade? De que beleza se trata?
Qualquer que seja a resposta parece que ela vai se contrapor à imagem que se tem de sua própria cidade. Como se o depoimento do outro sobre o lugar de sua familiaridade viesse a compor com aquilo sobre o qual se tem algum domínio – a opinião, o entorno conhecido. E devolve a quem responde uma reflexão que talvez não estivesse acostumado a fazer.
:: foto: panorâmica de São Paulo a partir da Pedra Grande, no Parque Estadual da Cantareira, zona norte da cidade, por R.I.
Qualquer dia desses as coisas deixarão de se repetir. O que antes era automático perderá velocidade, chegando talvez até a parar. Pode se que passe despercebido entre tanta informação reciclada. Lento como poucos seguirá por algum estreito enquanto o tempo não o apagar.
Talvez chova, talvez fim.
:: foto: escultura de Tomie Ohtake e edifício Santa Catarina, na avenida Paulista, em São Paulo, por R.I.
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