Sunday, January 06, 2008

A um passo de agora mesmo

Transitar de um modo de sobrevivência para um modo de celebração pode ser mais fácil ou complicado dependendo das condições gerais de temperatura e pressão. Algumas vezes a mudança é fortemente instigada pelo calendário: o clamor ritualístico tenta invocar em cada pedestre o corredor que teria varrido essa mesma avenida horas antes. Mas não funcionaria sem outros passos.

Deixar a calçada e parar em meio à pista nesta noite vem junto com um olhar de diferença sobre si mesmo e o tempo. É como entrar em uma catedral em meio ao burburinho da cidade, como diz Joseph Campbell no primeiro programa da série ‘O Poder do Mito’ (em dvd da Cultura Marcas ou no livro editado pela Palas Athena): somos levados a um outro estado de consciência, um reencontro com uma dimensão do sagrado escanteada pela agitação predatória do cotidiano. As luzes filtradas pelos vitrais, a atmosfera de tranqüilidade e reverência, a concentração nos temas essenciais, tudo nos convida a mudar o modo em que operamos há poucos instantes.

O gari estende os braços, canta e caminha dançando ao som de ‘Pense em mim’. Nessa hora ele deixa seu material de trabalho e imerge enquanto pessoa nesse momento, que o lembra e desperta. Os policiais se abraçam. Famílias inteiras transferem sua sala para um trecho da via pública. Um grupo de jovens posa para uma foto, lenta para ser registrada. Tipos suspeitos (de qualquer margem) também ocupam seus espaços moventes.

Os vitrais se compõem e se volatizam no céu da avenida.

Andar por essa pista agora é mudar de modo. Simples, espontaneamente.

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foto: madrugada na passagem de ano na avenida Paulista, São Paulo, por Patrícia Blancato (a quem agradeço a gentileza pela cessão da imagem)

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