Wednesday, May 09, 2007

Malflex

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No mundo dualista da ficção os personagens maus são dotados de uma flexibilidade extraordinariamente expandida. Não apenas do ponto de vista moral mas, inclusive, no que se refere ao aspecto físico, corporal. Eles parecem elásticos, com enorme desenvoltura e facilidade de movimentar todos os músculos e articulações. Alguns, como a menina possuída de ‘O Exorcista’, chegam a girar a cabeça a 180º. O que será que isso quer dizer? Estariam condenados os bons a uma rigidez tumular?

A capacidade de alongamento dos malvados pode traduzir simbolicamente a desconsideração e o desprezo às barreiras – naturais, institucionais, quaisquer. Nos seus gestos eles se mostram assim maleáveis como sujeitos informes. Não se estruturam nem cabem. Por isso mesmo parecem sempre se retorcer. E envolver (os outros). Estão a cada momento prontos para escapar.

Quem sofre com os exercícios para ganhar mobilidade talvez ache tudo isso um delirio, contraditório com a idéia da força contraposta à sutileza do maleável. Mas não sentirá uma pontada de estranho poder quando finalmente conseguir curvar o que antes parecia tão duro e retilíneo?

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1 comment:

Anonymous said...

Ricardo, há muito tempo não vinha aqui. A vida anda puxada e eu atarantada.
Foi, mais uma vez, um prazer, uma alegria, uma enxurrada de beleza, de sensibilidade.
Obrigada por tudo isso.
E vou correndo comprar o Yo Yo sobre o qual você falou e vou tentar ir correndo ver a Clarice no Museu da Língua. Seu comentário foi o melhor, o mais bonito e pertinente de tudo que li a respeito.
Um beijo,
Anaelena