[ao som de ‘Quadros de uma exposição’, de M. Mussorgsky, na versão orquestral de M. Ravel]
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São gestos pequenos como esse que reduzem sua estima, menos que nenhuma. Um esquecimento, prioridade a outros, mãos recolhidas em nãos. Ou, tanta fragilidade, apenas o mau tempo.
Assim se retrai como falta. Quilômetros e dias, entre o ensaio e a recusa.
Van Gogh, Theo Angelopoulos. A paisagem satura a quem não retorna.
:: foto: panorâmica sudoeste, com o pico do Jaraguá ao fundo, à direita, a partir do deck do museu da Pedra Grande, no parque estadual da Cantareira, na região norte de São Paulo, por Ricardo Imaeda
Seguiria até onde fosse possível escrever, nessa trilha de um, que compreendeu ser destino, desassossego, muitos tropeços em desníveis de terreno, ruas sem nome, rostos sem vez.
:: foto: rua XV de novembro, centro de Santos, por Ricardo Imaeda
[ao som de ‘Missing’, de Vangelis, em um anoitecer sem saídas]
Um período de intenso labor e, depois, de novo esse poço. Talvez o mesmo, alongado em ramificações adultas. Meio movediço, estanca parecendo andar.
É como um filme de aventura, com pausas para retomar o fôlego. Mas, se o corpo tende a parar, a mente parece seguir, agora em ritmo acelerado em direção a não se sabe onde.
Em cada mergulho, a lembrança de não saber nadar.
:: foto: skyline do bairro de Higienópolis, zona central de São Paulo, por Ricardo Imaeda
[ao som de ‘Preciso me encontrar’, de Candeia, na voz de Ney Matogrosso]
Nesta hora vou conhecer pessoas que desconhecerei amanhã. Saberei seus nomes, alguns traços dos rostos, talvez um ou outro detalhe de suas ocupações. Depois de vê-los por um tempo e chegar a alguma proximidade, eles voltarão para o horizonte como antes. Desconhecidos.
Não há motivo para lamentar. Cada um dos componentes dessa paisagem ganha relevo e perde nitidez muitas vezes ao longo de sua existência.
Conhecer é um pouco morrer.
:: foto: casarão envolto por prédio do Tribunal de Justiça de São Paulo, projetado por Ruy Ohtake, no bairro da Liberdade, centro de São Paulo, por Ricardo Imaeda
Do lado direito da floresta vêm os sons de animais desconhecidos. Não são bem rugidos, mas adensam o ar de uma nobre gravidade. Podem ser um choro, um lamento. E eles continuam. Serão da suçuarana, a onça cinzenta das montanhas, imagino. Há tanto ouço falar dela na Mantiqueira, agora na Cantareira.
Posso ouvi-la entre as árvores, seus passos seguros nesses cantos sitiados. Traz seu tempo ao fim de caminho, quanto restar de sobrevida. Será todo onça, espero.
Enquanto sigo pela trilha umedecida de tantas chuvas, sinto sua voz se perder no dia. Como pude chegar até aqui sem ela?
:: foto: trecho da trilha da Suçuarana, no núcleo Águas Claras do parque estadual da Cantareira, zona norte de São Paulo, por Ricardo Imaeda
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