Talvez ela resista por mais tempo. Mais do que um dia esperou. E o apego aos riscos e fendas não faça falta depois de conseguido o desenlace. Talvez assim a confiança volte. E ela possa, então, renascer.
:: foto: detalhe da Casa Modernista, projeto de Gregori Warchavchik, na Vila Mariana, sul de São Paulo, por Ricardo Imaeda
No palco largo, imenso, o centro iluminado contorna a pequena banda em torno de Stacey Kent. Quanto mais sua voz se contém aos registros mínimos mais rico de sutilezas ganha vida a canção. Vaga lenta como se falasse baixinho, pesando o sentido de cada palavra em ‘What a wonderful world’ (de B. Thiele, G. Douglas, Gd. Weiss). Na sua interpretação as pequenas coisas que inspiram o sentido do maravilhoso parecem recuperar a densidade perdida nas asperezas do cotidiano. E voltam ao ar na respiração pesada de quem acredita ao ouvir.
: [Com um agradecimento especial a René V. Almeida e a Reinaldo Alves pelo generoso presente de ouvir Stacey Kent ao vivo, ontem, no Auditório Ibirapuera]
:: foto: detalhe do Auditório Ibirapuera, no parque Ibirapuera, região sul de São Paulo, por Ricardo Imaeda
Não sei dizer para onde foram os conhecidos nem o que teria ficado de sobra, relíquia ou prejuízo. Talvez só alguns papéis perdidos, escritos em letra sem força, duram nos fundos de pastas. Ali restam como heranças quase invisíveis.
Agendas de telefone sobrevivem sem contrapartidas. Não trarão mais nada nesse longo prazo a que foram condenadas.
:: foto: estação da Luz, com igreja de São Cristóvão ao fundo e o parque da Luz à esquerda, na região central de São Paulo, por Ricardo Imaeda
E é como se atravessasse as ruas sem olhar para os lados nesse passo de queda. Agora que cair parece ser a endorfina do fim. Enquanto remoem os vassalos do colapso na borda de outros abismos.
:: foto: vista aérea da avenida Sumaré, na região oeste de São Paulo, por Ricardo Imaeda
[ao som de ‘Panis angelicus’, de C. Franck, na voz de Selma Reis]
Quem come o pão do mosteiro quer um pouco de santidade para si. Aquela que vem não da massa ou dos monges mas da própria aura do ambiente em que foi criado. Talvez seja mais uma das ilusões que suportam o viajante. Ele quer um pedaço da história, um pouco de transcendência. Que dure o tempo do consumo até voltar a sentir o peso das coisas de sempre.
Esse talvez seja o pão dos sentidos não transformados. Da materialidade buscada para fora das metáforas. Não o corpo da doutrina ou a substância da fé, mas o sabor de um encontro físico. Ali, em meio à sabedoria invisível, estende-se a mão para algo cotidiano e perecível.
:: foto: detalhe do Mosteiro de São Bento, no centro de São Paulo, por Ricardo Imaeda
Essa sensação de velocidade dos dias termina com as coisas que não são automáticas. Com qualquer decantação. Se demora deixa de nascer.
Mas as incertezas de outros tempos parecem ardis de subsistência. Pelo temor de que faltem recursos e sentido ainda há chance para voltar e contemplar. Na cidade que passa as faltas permitem fôlego para resistir.
:: foto: edifícios do Tribunal de Justiça de São Paulo, projetados por Ruy Ohtake, no bairro da Liberdade, em São Paulo, por Ricardo
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